Valores Esquecidos

F. Pinéccio

Infelizmente nosso país parece ser deficiente quando o assunto é dar valor a seus artistas. Não estou falando de cantores [sic] que falam sobre ‘égüinhas pocotós’ ou ‘orgias em apês’. Falo de gente que têm algo realmente significante a dizer. Acontece que a grande mídia custa a propor o devido reconhecimento a estes artistas. A exemplo do que aconteceu com Raul Seixas, que depois de morto ‘perdeu automaticamente’ o selo de rebelde, contestador, e até como muitos pregavam por aí, um marginal, para um ‘gênio da música popular brasileira, o mestre do rock nacional’. Não que não tenha sido. Sou até muito suspeito pra dizer que sem dúvida nenhuma o cantor e compositor baiano foi – e continua sendo - um dos maiores ídolos, uma das grandes revelações dos corredores da música brasileira. O problema é que só foram lhe dar o crédito quando a pancreatite crônica de que sofria já tinha lhe vencido. Poderia enumerar dezenas de astros, não só da música, mas também da arte, futebol, cultura, enfim, de qualquer outro segmento, e que só alcançaram o reconhecimento da mídia quando não estavam mais na terra. O fato é que isso não é novidade pra ninguém. Ou melhor, pelo menos para aqueles que têm olhos de ver e ouvidos de escutar.

Um dos grandes exemplos dessa palhaçada que fazem com nossos artistas de valor é o cantor, compositor e poeta mineiro, Zé Geraldo, que saiu de Rodeiro, com o sonho de ser jogador de futebol, e devido ao destino, que sempre surpreende, acabou conquistando milhares de pessoas com suas músicas, cheias de poesias, de prosa, de talento. Pra muitos que estão lendo estas mal traçadas linhas, pode parecer um nome estranho. Mas sei que em nossa cidade, existe muita gente que conhece, ouve e admira este homem, que mesmo não tendo o apoio dos ‘reis do jabá’, e de apresentadores oportunistas de ‘programecos’ da televisão aberta, como Gugu e Faustão, coleciona uma enorme e fiel legião de fãs por todo o Brasil e até fora dele. Não estou dizendo que tudo que aparece da televisão aberta não presta. Nem mesmo possuo canais pagos em minha casa. Estou falando do meu descontentamento, que embora possa ser indiferente e sem importância para muitos, é algo que eu sinto. Existe muita coisa boa por aí, e que está na TV, nos rádios e jornais. Só que também existe muita coisa de qualidade que está ‘esquecido’ pela mídia, e que poderiam ocupar o lugar de bundas, testes de fidelidade e baixarias intragantes, que invadem nossos televisores quando estamos no conforto do lar. Nessas horas prefiro me ocupar com um bom livro, um ‘giro’ pela cidade, ou simplesmente desligar o aparelho e boicotar todo este caos.

Às vezes agradeço por poder contar com a Fundação Padre Anchieta – TV Cultura, que ainda se dispõe a exibir bons programas em sua grade. Outro bom exemplo de como existe muita coisa boa por aí, é o ator e poeta Costa Senna. Este, cearense de Fortaleza, já trabalhou ao lado do saudoso cineasta Jairo Ferreira, e é considerado o mestre da nova fase da literatuta de cordel. Já conheço o Costa Senna há muito tempo, desde quando descobri o prazer e o encanto da leitura, e encontrei seu nome, principalmente nas biografias do ‘maluco-beleza’, que falei no início, já que além de ser citado em várias delas, ser co-autor de outra obra, ainda lançou também seu próprio livro, falando de Raul. Decidi pesquisar seu nome na Internet, em um famoso mecanismo de busca on-line. O primeiro resultado que apareceu levava direto ao site da TV Cultura.

Também não faz pouco tempo que conheço Zé Geraldo. Aliás, já tive o prazer de estar com ele, e trocamos algumas correspondências vez e outra. O que me alegra é acessar as agendas destes verdadeiros artistas e ver que está lotada. Pelo menos assim, as mensagens inteligentes chegam ao povo – ao vivo, e sem TV.

Talvez um dia, esqueceremos o controle remoto e os ‘jabás’ da vida, e então teremos mais cultura. E conseqüentemente, seremos mais felizes.

“Sou feliz por não ter mais a ilusão, de aparecer nos programas do Gugu e do Faustão...” (Zé Geraldo em “Tô Zerado”).