A Fila Anda

Tão certo como chover molhado, a fila anda. Sempre. Porém, às vezes tarda.

Essa invenção que é a fila, certamente criada pelo que chegou depois do primeiro para mostrar ao terceiro que tem privilégio sobre ele, sem dúvida é um dos males necessários mais pertinentes que existe.

No entanto, poucas filas são habitadas de tão mau grado, como as de um banco, fila comprida, fila de gente estressada pelas obrigações do dia-a-dia, fila pra pagar. Peço então, licença ao leitor para compartilhar brevemente uma recente experiência dessas.

Era calor, início de mês, por volta das 15 horas. De fronte a este pobre cronista de vos escreve, uma serpente humana se formava, tendo como final comum, três caixas onde trabalhavam a todo vapor um careca, uma oriental de meia idade, e uma mulher, já noiva (percebi pela gigante aliança dourada na mão direita) e linda, de cabelos acastanhados e sorriso brando. Percebi que todos os homens, em uma conspiração silenciosa, desejavam por motivos óbvios por ela serem atendidos.

É engraçada a reação das pessoas em uma fila de banco. Apesar de muito próximas uma das outras, elas evitam a todo custo o contato físico e muito raramente arriscam qualquer relação de diálogo. Nessa condição cada um se distrai à sua maneira, uns falam ao celular, outros com fones dependurados na orelha ouvem uma música qualquer. Já eu vou além e como antídoto do tédio, volto minhas atenções para a porta giratória e com detector de metais, torcendo maliciosamente para ela travar com a entrada de alguém.

Aos poucos, canso de me divertir com o constrangimento alheio. Minhas pernas reclamam assento, meu estômago reclama fome e minha epiderme reclama banho. Mas não adianta. Quanto mais apreensivo fico, menos a fila caminha. Além do mais por que se incomodar se tudo, absolutamente tudo, é organizado em filas?

Verdade. É só observar. Fila das idades, dos amores, das vaidades, das prioridades, das horas, dos quilômetros, da esperança, fila disso, fila daquilo... Desde o zigoto somos convidados para uma contagem regressiva, onde após o primeiro choro estreamos naquela que é a mais importante das filas, a da vida, que de gozo e desamor, experiência e convivência, tal como num jogo de ciranda nos dá passaporte para uma outra fila, mais tênue, mas não menos certa: a da morte. Fila como toda fila. Como a do pão-francês, do trânsito, do cinema ou do banco em um dia acalorado, de início de mês por volta das 15 horas.

E falando em fila, não há como negar que já há algum tempo que essa crônica se encontra pronta, corrigida e revisada, esperando em tinta preta nas folhas de um caderno velho para ser utilizada e apreciada pela retina dos leitores alheios, mas sabe como é... Tão certo como chover molhado, a fila anda. Sempre. Porém, às vezes tarda.