Os homens voadores e seus poleiros

Era enorme, no meu pequeno entendimento de menos de cinco anos, a revista que folhava na sala de espera, e havia aviões estampados nela, aviões que capturaram minha fascinação e a devolveram na forma de sonho para nunca mais me abandonar. Cresci fascinado por eles e os poucos que passavam por cima de casa, minúsculos pela distância, ainda assim me cativavam quase diariamente, em especial nos dias de inverno e céu azul, fazendo brilhar a fuselagem. Os da revista se materializavam no céu! Havia os que se bifurcavam na cauda; dizia meu irmão que eram de carga: até hoje não sei se era apenas uma doce mentira para contentar minha curiosidade, mas imaginava o que aqueles artefatos com pouco espaço poderiam levar e para onde. Anos e anos depois, morando em Brasília, durante visita do Reagan, fui ver o Air Force One e seu principal avião de apoio descobri que nada do que minha infância imaginava fazia jus à realidade.

As necessidades da vida me fizeram precisar deles, dos aviões, por um bom tempo, para ganhar horas, encontrar pessoas, mudar os temperos do dia-a-dia.

Muitas e muitas vezes havia a expectativa do desconhecido, da descoberta adivinhada, mas voar, mesmo que fosse à noite, mesmo que o vôo fosse longo, mesmo que turbulências assustassem, mesmo que o conforto fosse quase zero ou abaixo dele, era a aventura esperada. Em imensos Jumbos, espartanos Fockers, Bandeirantes, Caravans ou, até apertadíssimos monomotores, o importante era a aventura de voar. Estar no ar, à mercê da tecnologia e da meteorologia, nas mãos de uma pessoa que poderia, naquele dia, ter acordado de mau humor, traz um tempero de perigo e desafio que coloca muita emoção no chinelo, e olhar para baixo dá uma certeza: fronteiras só existem nas egoístas cabeças dos homens. Voar me fazia, de alguma forma, mais irmão dos outros.

Aeroportos são outro capítulo dessa aventura: são território de ninguém e de todos. A Babel de línguas, a Arca de Noé de etnias, a Babilônia de ostentantação nos grandes aeroportos contrastam com os imensos vazios e o quase nada dos pequenos aeroportos regionais, onde o que de melhor se pode fazer, além de ler, se tiver trazido um livro, é conversar e conhecer pessoas. São poleiros de descanso e confraternização de iludidas pessoas que acreditam ter asas e, por isso, voam.