E se for escrever?

Lá se vão 17 anos de uma crônica semanal, no mínimo. Como quem nasceu para Donald Malschitzky nunca chega a Apolinário Ternes, tento manter uma lista de assuntos, nem sempre são os melhores, mas é um baita quebra-galho. O de hoje está na lista há um bom tempo e, no sábado, assisti a um filme chamado “Escritores da paz”, daqueles que contam histórias reais, dando ênfase às dificuldades e, mais ainda, à superação. Esse mostra o trabalho de uma professora que usa a literatura para promover a integração étnica, cultural e social. Digamos que foi um sinal para usar o assunto hoje. Sinal, nada, mas como é bom acreditar em bobagens, não é?

Conselhos para bem escrever, pedem-me bastante, especialmente em escolas. Gostaria muito de saber, pois se soubesse, aplicaria, mas sempre me vêm imagens de outro filme: “Sociedade dos poetas mortos”. Na primeira aula de literatura o professor (interpretado por Robin Williams) pede que os alunos tomem um imenso livro de autor famoso e que leiam o que diz sobre poesia. À medida que lêem, escreve os números no quadro, deixando claro que poesia de qualidade é aquela que segue cânones absolutamente matemáticos. Aí vem a surpresa: vira-se para os alunos e diz: “Rasguem, rasguem essas páginas”. O que acontece a partir daí, quem assistiu ao filme sabe, mas foi uma revolução na escola e, principalmente, nas mentes e na vida dos alunos. Aprenderam o significado de “carpe diem”.

Então, o que diria? Primeiro, repetiria o professor do filme: rasguem. Rasguem os cânones, rasguem a roupagem rançosa, rasguem os resquícios de intelectualismo. Quebrem. Quebrem o gesso do medo, do querer agradar, do ranço, da vergonha, do preconceito. Esqueçam os papéis bonitos e os desenhos rebuscados. Guardem-nos para depois, se acharem que são dignos da beleza da palavra.

Escrevam com a alma, com as tripas, se necessário, em guardanapos, papéis de embrulho, no verso de notas, nas mãos, em caixas de sapato, onde houver superfície e espaço, até em computadores, que puristas não crêem merecedores de poesia, mas estão enganados. Depois, deixem que o intelecto ajude a riscar, polir, dar forma. Depois, passem para belos papéis. Depois, publiquem, presenteiem, mas, antes, leiam e julguem: é retrato da alma?

Se for, a lição mais importante foi aprendida. As outras, o amor e a dedicação se encarregam de ensinar.