Mundo cão

Compra um picolé, abre a embalagem e a joga no chão. O filho se lambuza e a mãe se diverte. Ao seu encontro vem um homem vestindo terno bem cortado, gravata vistosa, sapatos brilhantes. Cigarro na boca, ao chegar perto dos dois, joga o cigarro na calçada.

São seis da tarde, a senhora com seus pacotes aguarda para atravessar a rua. Olha desesperançosa para a faixa de pedestres, que sabe inútil, pois nunca ouviu de algum motorista ser multado ou sequer advertido por não respeitá-la. Quinze minutos depois ainda está lá, parada, estupefata. Passa um grupo de jovens em um carro, tomando cerveja; um deles joga a lata vazia pela janela, quase acertando a senhora. Riem adoidado.

O apartamento fica no terceiro andar, é meia noite e João, que começa o batente às cinco, quer dormir mas não consegue; o bate-estacas da música (?), cujos decibéis desafiam a resistência dos alto-falantes, só é superado pelos gritos da farra da vizinhança.

Sábado ensolarado, a dona de casa aproveita para lavar a calçada. A mangueira permanece ligada todo o tempo, mesmo durante os longos minutos em que coloca as fofocas em dia com a vizinha. Aproveitam para reclamar da semana passada em que faltou água.

Ônibus lotado no início do dia, o rapaz observa a paisagem pela janela. Entra a mulher grávida, barriga enorme, vê os bancos especiais ocupados e fica em pé, exprimida, quase sem apoio. O rapaz fecha os olhos e finge dormir.

As placas são claras: “Estacionamento apenas para idosos”. Duas jovens bem arrumadas, com pinta de executivas, estacionam seu carro novo na única vaga disponível e saem conversando como se tudo fosse normal.

A família saudável desembarca do carro de classe média alta. Sobem a rampa fazendo brincadeiras um com o outro. Indignado, fotografo o carro na vaga destinada a portadores de necessidades especiais e peço para falar com o gerente do supermercado famoso. Diz que tomará providências imediatamente, mas não o faz. No local, os espaços para estacionamento para “deficiêntes” (sic), sempre ocupados, parece que existem apenas por obrigação legal; o dinheiro de quem não é “deficiênte” deve interessar mais.

E ainda temos coragem de falar mal de políticos!