Andando por sobre as águas.

Quarta de cinzas. Tudo aqui é agora vazio de carnaval. A única sombra ou resquício de folia, se assim pode-se dizer, é o palanque, ainda cravado, próximo à praia, onde eram os shows, a espera do desmonte. Não mais estavam aqueles que até escambar o dia, bebiam, dançavam, gargalhavam, namoravam-se e até brigavam (os loucos).

Minha cabeça não dói. Bebi, é claro que sim. Mas minha cabeça não dói. E essa estória que de bêbado não tem dono, não serve pra mim.

A praia, agora de poucos, é lustrada por um sol impenitente, e bordada pela espuma que se derrete ao quebrar das ondas, que me faz lembrar do sonrisal que tomei ontem. Faz festa à vista. Prego uma mentira pro Mestre pra ele se entreter e assim parar de regurgitar essa estória de destruição do litoral, pela elevação das marés. Digo a ele que o Super Calangão não viera conosco, pois estava num relacionamente ”dirty” com uma ricaça, que o levou numa Hilux quatro por quatro, para Guarapari. - ela é tão rica que nem toma água, só uísque treze anos – ele ri e nem questiona os treze anos. Sei que por boas frações de horas, ele ruminará esta estória fajuta. Fico em paz pra lembrar da pândega e das pessoas que deixam as brincadeiras ainda mais divertidas na folia, fazendo assim um “upgrade" no nosso emocional.

Observo o horizonte do mar, retilíneo. Um barco de pescadores surge na cena, quase sumido e cria um ângulo de felicidade. De súbito tenho vontade de caminhar até aquele longínqüo barco. Caminhar por sobre as águas. Que doideira! Será o sonrisal? Sou apenas um comedor de feijão e às vezes de lentilha. O máximo que poderá ocorrer com uma tentativa é eu boiar, inchadão, dias depois. Milagres fazia a carteira do Meninão do Guaporé. Carteirada neles, meninão!

Não é original essa minha idéia de andar por sobre as águas, mas se imagine andando sobre um mar encapelado, ou mesmo sobre o Rio Doce, com suas marolinhas!!! Será o sonrisal?

É, mas um camarada – conta-se e reconta-se – andou sobre um revolto mar da Galiléia. Mas ele não homem de verdade – era um Deus. Um certo Pedro quis fazer o mesmo e até andou, mas quando lhe faltou a fé, começou a submergir feito pedra. Sorte dele que o Deus lhe estendeu a mão prontamente.

Certa feita, fiquei puto da vida com este Deus. Pedi-lhe um milagre. Queria que ele me estendesse a mão, afinal era o único Deus que tinha vez lá em casa. Pedi que aquele menininho de oito anos não morresse. Era um menino tão bom e inocente, me dava a maior moral e dançava “dancing quen” , comigo na sala. Eu queria mesmo ser um cãozinho que pudesse comer as migalhas do banquete que caíssem da mesa daquele Deus e dos seus. Mas afundei. Não tive o milagre. Faltou-me fé? Não sei.

Tenho ponderado as coisas. Tenho visto corpos nas pistas, tragédias dantescas. O que dizer da tsunâmi? Pobre Indonésia, paraíso das desgraças.

Se este Deus teve de morrer de maneira cruel e desumana, se esse Deus teve de comer o pão que o diabo amassou com o rabo, tenho que aprender a me conformar com as vicissitudes humanas. Talvez o Deus tenha morrido e ressuscitado pra isso: nunca perdermos a esperança.

Esta estória me deixa melhor. Por isso que me alegro até quando o destino me faz encaixar a orelha no bocal sem lâmpada, da banca de caipfrutas, quando tentei me esconder da chuva, levando um choque elétrico de ver estrelinhas ao redor.

Concluo que não preciso andar por sobre as águas (literalmente). Preciso correr nesta areia. É o que tenho agora e ademais a pança está saliente...

Mas não consigo dançar sozinho na sala.

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Joel Rogerio
Enviado por Joel Rogerio em 13/03/2006
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