DAS ESTRATÉGIAS  DE  CONVIVÊNCIA


          Ele era um jovem funcionário de um banco conceituado. Tinha uma postura discretíssima e tratava a todos com um polidez contida e nos melhores momentos, lançava um sorriso comedido. Era eficiente e prestativo, mas nunca passou perto de uma postura subserviente, pelo contrário. Era respeitado porque ocupava o seu espaço até o limite, nunca permitindo a ninguém passar além da risca do seu território. Ele tinha um grande amigo, um somente. E a este sempre comentou sobre a repugnância que lhe inspiravam certas atitudes comuns entre os humanos em locais de trabalho.
          Então, um belo dia, inesperadamente começaram a aparecer desenhos tipo histórias em quadrinhos nos banheiros masculino e feminino, satirizando de forma ácida e muito engraçada situações acontecidas no dia a dia da agência.  Nada escapava ao autor misterioso pela capacidade de observação e  talento na maneira de captar todas as mediocridades  e atitudes bizarras. Eram desenhos muito bem feitos e assiandos por "O Sombra". Havia naquela agência uns trinta funcionários, era uma cidade pequena e seria muito fácil descobrir o autor, caso ele se tratasse de uma pessoa qualquer. E era algo tão despropositado e estranho naquele ambiente frio de uma agência bancária, que só o contraste já se tornava algo inusitado e bizarro. E com uma frequência  bastante ousada,  prosseguia a impiedosa cruzada do chargista expondo da forma mais engraçada as mazelas e posturas ridículas daquele povo. Por mais que se conjeturasse entre os possíveis suspeitos, o nosso funcionário em questão era eliminado de cara por um quesito : ele sempre se dissera um péssimo desenhista, e em situações de algum curso ou evento sempre se eximira da tarefa de desenhar e se o fazia, eram uns rabiscos muito rudimentares. E a alta cúpula com seus puxassacos compenetrados estremecia e fervilhava. Não sei por quanto tempo isso se prolongou, mas foram uns bons dois meses com algumas folgas estratégicas. Também não sei como terminou este episódio. Mas diante de um estrategista dessa qualidade é de se imaginar que ele soube a hora de dar encerramento à brincadeira, pois o caso já estava chegando à Direção Geral no Estado. E pasmem, nem o melhor amigo sabia de nada. Conversavam de tudo, visitavam-se, mas sobre isso o mais completo segredo. E provavelmente este, mesmo desconfiado, também esbarrava naquele argumento excluidor que era o fato do rapaz nunca ter conseguido desenhar mais do que uns rabiscos dignos de uma criança de dois anos.  Somente muito mais tarde este amigo veio a saber da verdade, contada pelo próprio protagonista. 
           Este alguém ,  sem dúvida, deliberadamente escondera o fato de ser exímo desenhista, mesmo não sabendo ainda em que isso poderia vir a lhe ser útil um dia, mas sabendo com certeza, que revelar tal aptidão pouco ou nenhum proveito lhe traria de imediato.  E provavelmente mantendo outros segredos de muitos outros aspectos que não lhe trariam vantagem revelar, mas que como se viu, poderiam ser de utilidade na hora em que surgisse a oportunidade de fazer uso deles para obter resultados de grande interesse pessoal.   Um estrategista quase sinistro?   Um  homem  frio  e calculista? Poderíamos dizer que sim, mas que mal haveria em sonegar informações pessoais como esta?  Ninguém poderia acusá-lo por omitir coisas pessoais, desde que elas não tivessem rigorosamente nada a ver com a vida dos outros. 
           Fico aqui a lembrar desta história e a pensar que no emaranhado dos relacionamentos humanos estamos todos sempre articulando nossas investidas ou recuos, um vai e vem em busca de todo tipo de envolvimentos. Pessoas impulsivas, sem malícia,  esbarrarão em seus próprios atos impensados. Pessoas calculistas, controladas,  terão oportunidade de ver o circo alheio pegar fogo sem mover um músculo ou, movê-los, mas de uma forma que nunca deponha contra sua integridade.  
          Em qualquer tipo de relacionamento entre pessoas, seja no amor, nos negócios, no trabalho, enfim em qualquer local onde  humanos estejam interagindo, as bases do comportamento serão as mesmas.  Este jogo de avanço e recuo constante , é a própria vida acontecendo  na arena aonde as feras reagem de formas possíveis de serem catalogadas por um observador mais atento. Então um estrategista por talento próprio, como foi o caso do rapaz da história relatada,  e  até  um  por treinamento, coisa que é praxe em certos redutos dos governos, das organizações criminosas e grupos organizados em geral,  bem como uma esperta dona de 
quitanda, todos  agiriam segundo princípios semelhantes.  E nesta história não existe ninguém totalmente inocente. A sobrevivência na selva requer certas habilidades e desse pecado somos todos praticantes.   

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 18/10/2008
Reeditado em 18/10/2008
Código do texto: T1234549
Classificação de conteúdo: seguro