Vida de Professora - Projeto Escola de Fábrica- Formação Profissional em Pesca Artesanal

Cidadania é dever de povo!

Só é cidadão ou cidadã quem conquista o seu lugar

na perseverante luta do sonho de uma nação.

É também obrigação: a de ajudar a construir

a claridão na consciência de quem merece o poder.

Força gloriosa que faz uma pessoa ser para a outra pessoa

caminho do mesmo chão,luz solidária e canção.

Thiago de Mello

Na minha vida de professora volta e meia sou colocada diante de alguns desafios um tantinho maiores do que o dia a dia apresenta e o meu “tamanho” parece suportar. Um deles, este ano, foi aceitar a supervisão pedagógica de um projeto executado numa colônia de pescadores, a 120 km de casa. Durante a semana, trabalho para o projeto basicamente à noite, online, por telefone e aos sábados e feriados, quando viajo para o acompanhamento das turmas. Tudo isso e ainda conciliar meu trabalho cotidiano, vida pessoal e social. Mas quando se faz o que se gosta e acredita é só uma questão de organizar o tempo. Ou desorganizá-lo ainda mais, mas é imperativo dizer que tenho parceiros de vida e trabalho que entendem e aceitam o modo como conduzo minhas escolhas e, com isso, encorajam-me.

Imaginem que com minhas raízes assentadas à porta do sertão, bem na ponta do agreste alagoano, mariscos e pescados sempre foram comida de festa e raramente estavam em nossa mesa tipicamente nordestina e sertaneja. Morar na capital agregou a minha vida esse hábito, comum aos do litoral, mas até então de pescados e mariscos só entendia mesmo no prato.

A cidade que me acolhe é Porto de Pedras no litoral norte de Alagoas, com uma população de aproximadamente 11 mil habitantes e um dos piores índices de IDH do país. A economia do município é baseada na extração do côco, na agricultura de subsistência e na pesca tipicamente artesanal. É uma cidade muito simpática, com um litoral dos mais belos, de água sempre morna, mariscos em abundancia e também santuário ecológico do peixe-boi marinho, atração obrigatória para quem visita a cidade. Infelizmente, apareceu na mídia nacional agora nas páginas policiais: o prefeito e o juiz da cidade estão presos, sob a acusação de fraude eleitoral.

O projeto iniciado pelo MEC, e hoje instalado no Ministério do Trabalho, é o ESCOLA DE FÁBRICA - Iniciação profissional em Pesca Artesanal. Os beneficiários são alunos do Ensino fundamental e Médio, filhos de pescadores e marisqueiras ligados a Colônia de Pescadores Z25. São meninas e meninos entre 16 e 23 anos, cheios de sonhos e muita “fome" de viver.

Minha participação está, principalmente, ligada à organização do curso, na ação junto aos professores e na atuação das turmas, nos momentos de planejamento, avaliação e quando se faz necessário. A gestora pública do projeto é a Escola Agrotécnica Federal de Satuba - Alagoas e a executora, a Colônia Z25, com todo o pioneirismo que lhe é próprio. No mês de agosto passado, os meninos e meninas do projeto conheceram a Escola. Fomos carinhosamente recebidos e todos saíram encantados com a beleza do lugar e com a possibilidade de usufruir daquilo tudo, como alunos.

Na formatação metodológica fizemos - a consultora técnica Jovina Ferreira e eu - a opção por nos aproximar ao máximo dos CÍRCULOS DE CULTURA, idéia Freireana cuja estratégia pedagógica principal é o permanente incentivo a momentos de diálogo, a situações em que todos e todas ensinam e aprendem uns com os outros. Se, por um lado, esta opção representa muito mais trabalho para toda a equipe, por outro agrega valor e qualidade político-pedagógica ao nosso fazer cotidiano, às tantas experiências vivenciadas pelos professores e alunos.

Com carga horária total de 600 horas distribuídas entre módulos profissionalizantes e Transversais - Língua Portuguesa, Matemática, Geografia, História - com oferta totalmente vinculada ao profissionalizante - o projeto é um diferencial na vida desses meninos e meninas. Muito mais do que receber informações, eles são a própria fonte de informação. Totalmente envolvidos, pesquisam a História e a Geografia do lugar, relatam o que aprenderam, aprendem como tratar a informação pesquisada e produzem, constroem uma nova história do lugar onde vivem e sonham.

Tenho aprendido muito com este convívio. Nos meus textos “Sobre o diário de bordo...” (tutorial) e “A primeira vez...” (crônica), relato um pouco algumas estratégias já utilizadas com as turmas.Temos provocado a vivência de práticas desafiadoras, significativas para a vida de todos no entorno da Colônia Z25. Da opção do trabalho a partir da concepção de Educação Popular, práticas como entrevistas, roda de prosa, palestra com debate, “show de talentos”, dinâmicas de grupo, caminhadas (ecológica, da cidadania) apresentações culturais, exibição de filmes e documentários, visitas, estudo do meio, são algumas práticas que destaco e, aos poucos, pretendo divulgar aqui. Um dos nossos meninos já representou a colônia, em Florianópolis, numa missão do SEBRAE, conhecendo cultivos de ostras e tecnologias afins.

Nossos objetivos são ousados. Aqui destaco apenas dois, como exemplos de sonho com possibilidade de se tornar realidade, pois é “sonho que se sonha junto”:

*Realizar estudos e pesquisas que contribuam nos processos de formação da juventude para a construção de uma política pública e social da pesca no município de Porto de Pedras;

*Produzir e publicar materiais didático-pedagógicos (folders, cartilhas, vídeos, livros...) organizados a partir do projeto;

Enfim, trabalhar com a juventude atualmente, seja lá de que classe social for, é mesmo um desafio, principalmente quando valores e princípios são confrontados, colocados em “xeque” freqüentemente. Porém cada problema, cada conflito que surge é possibilidade de aprendizado e reflexão para toda equipe e aqui faço um agradecimento especial aos profissionais que embarcaram conosco nesta “pescaria”: são oceanólogos, cientistas sociais, bióloga, pedagoga, historiadora, nutricionista, engenheiro de pesca, professora de Português, de Matemática, agrônomo e pescadores, “fisgados” pela idéia da formação de pessoas.

Ressaltando a contribuição de cada uma delas para a melhoria de qualidade de vida dessa comunidade, através da educação, reflito o quanto é necessário que cada educador e/ou educadora vivencie, compreenda e pratique, pela palavra e pelo exemplo, esta afirmação: “Não há educação sem amor. O amor implica luta contra o egoísmo. Quem não é capaz de amar os seres inacabados não pode educar. Não há educação imposta como não há amor imposto. Quem não ama não compreende o próximo, não o respeita. Não há educação do medo. Nada se pode temer da educação quando se ama”. (FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. São Paulo, SP: Paz e Terra, 2007, p. 29).

É nesse caminho libertador que acredito. É certo que “a educação não pode tudo”, mas sem ela poderemos menos ainda.

“I believe in dreams.”

Compartilho aqui uma Produção de um dos nossos meninos, apresentada na noite da Colônia de Pescadores Z25, nos festejos do mês mariano. Aos poucos, o projeto se faz régua e compasso na vida de cada um e cada uma.

A colônia de pescadores de Porto de Pedras

Jeverson Cavalcante da Silva

Dedico este poema

a todos os alunos e professores

dedico este poema

a todas as marisqueiras e pescadores

A colônia tem esperança

que todos vivam em paz e alegria

tenham um bom futuro

com harmonia e bonança.

Este curso ocorreu na hora certa

aqui aprendi muitas coisas

aprendi a compartilhar

e que sempre a colônia

estará de portas abertas.

Conheci vários amigos neste curso

são pessoas que vivem alegremente

capazes de fazer coisas incríveis

que nem sabia que existiam

em nossa mente.

Por isso minha homenagem

a todos os pescadores

homens batalhadores

homens valentes

que sempre vão em frente.

Desejo a todos

vida de saúde

vida de felicidade

que se renova, sempre.