UMA AUDIÇÃO INESPERADA

Era o dia 7 de setembro de 1972 e eu fazia parte da polícia ciivil quando fomos informados que estávamos de prontidão.

Poucos dias antes dessa data, havia ocorrido o atentado terrorista efetivado pelo grupo palestino denominado "Setembro Negro" que fizeram uma chacina onde foram mortos atletas judeus que participavam da Olimpíada de Munique

Foi nesse clima de tensão mundial que nós fomos convocados para fazer a segurança da Orquestra Filarmônica de Israel, que veio apresentar-se no Auditório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Como o espaço do palco era limitado, os estojos dos instrumentos tiveram que ficar do lado de fora do auditório, mais precisamente na calçada. Os caminhões da empresa de mudança que carregavam os instrumentos fizeram uma espécie de barricada em forma de "U" para que os estojos ficassem melhor protegidos. A princípio, a nossa função era ficar alí postados e armados cuidando dos estojos, sendo observados por um grande número de curiosos. Eu estava com uma metralhadora "ina" a tiracolo, provavelmente descarregada. Se estivesse carregada eu não saberia atirar porque não tive treinamento pra isso. Esta situação me lembrou aquela música do Geraldo Vandré que diz"...soldados perdidos com armas nas mãos..."

Quando começou a apresentação me ordenaram que eu ficasse sentado na última fila do auditório e "ficasse de olho" em qualquer movimento suspeito.

Ao iniciar a apresentação eu esqueci quase que completamente a minha missão, entregando-me de corpo e alma ao maravilhoso concerto sob a magnífica regência do Maestro Zubim Metha.

Terminada a apresentação nos dirigimos para o City Hotel onde os músicos estavam hospedados. Lá chegando ficamos durante alguns momentos no saguão do hotel. Chamou-me a atenção o nível cultural dos músicos. Comunicavam-se através de telefonemas e entre êles em quatro ou cinco idiomas. De repente faltou luz. Acho que não demorou mais do que cinco minutos, tempo suficiente para nos deixar apavorados. Lembro, quando voltou a luz, que os músicos estavam com os olhos arregalados, provavelmente supondo que se tratava de mais um atentado terrorista.

Em seguida passamos para o restaurante do hotel onde fomos jantar.

Por sorte ficou ao meu lado o pianista da orquestra. Naquele momento eu ainda estava sob o efeito da maravilhosa apresentação da Filarmônica e também ainda me lembrando de um filme que havia assistido na televisão na noite anterior. Tratava-se da vida e obra de George Gerswin, o criador do jazz sinfônico, cuja obra mais conhecida é Rapsody in blue.

Observei que havia um piano no restaurante e fazendo uso de um precaríssimo conhecimento de inglês, que aprendi com os filmes americanos,ousei pedir ao pianista pra que ele tocasse um dos mais belos temas de jazz, que foi executado no filme, intitulado: "The man I love". Ele prontamente atendeu o meu pedido e dirigindo-se ao piano executou maravilhosamente a melodia. Foi aplaudido de pé por todos nós.

Jamais esquecerei este gesto de humildade de um homem tão talentoso que não hesitou em atender o pedido de um ouvinte para executar uma melodia, sem partitura e que não fazia parte do seu repertório e gênero musical.

Gilberto Stone
Enviado por Gilberto Stone em 19/10/2008
Reeditado em 04/09/2015
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