O negócio é o seguinte.
ana maria ribas bernardelli.
 
 
Marlene ama Mô, que casou com Marlene, mas acabou tendo um filho com Darlene, que separou Mô de Marlene. Dia mais, dia menos, como esse mundo é orbicular, Mô voltou para os braços de Marlene, com um fuska, um violão, e uma pensão alimentícia que precisa ser paga todo dia 10, de cada mês, pelo filho que lhe fez. Justissimamente.
 
Marlene recebeu Mô de volta, sem dinheiro para comprar o arroz com feijão, mas com um fuska, um violão, e uma pensão alimentícia para pagar todo dia 10. Se não, vai em cana. Já foi uma vez. Darlene é cobra criada.
Mô não tem dinheiro, Marlene paga.
 
Mas quem deposita é ela: a patroa de Marlene. Por volta do dia 20, dia máximo para a curta paciência de Darlene esperar pela pensão, sem ir ao fórum, denunciar Mô pela inadimplência, vem Marlene até a patroa, com a clássica pedida:
 
 - “Daria pra senhora passar no Banco do Brasil e fazer o depósito da Darlene pra mim? Se não vou ter que sair mais cedo do serviço, porque se amanhã esse dinheiro não estiver na conta da Darlene, Mô vai em cana de novo.”
 
Isso se repete há 6 meses. A patroa já tem na carteira o número da conta de Darlene, o patrão também. E ninguém conhece nem Mô e nem Darlene, mas conhecem o número da conta bancária de Darlene.
 
- O negócio é o seguinte, Marlene, senta aqui – diz a patroa. E quem tem ouvidos para ouvir é obrigado a escutar. Escuto então.

- O Mô pediu autorização para mim, quando foi fazer o filho na Darlene?
- Não.
- O Mô pediu autorização para você quando foi fazer o filho na Darlene?
- Não.
- Então, pelo amor de Deus Marlene, tenha dignidade nessa cara. Daqui para frente, você manda o Mô se virar com a pensão da Darlene, porque eu não vou mais depositar e você não vai mais pagar. Tá certo, Marlene?
- Tá certo, sim senhora.
 
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Um neto de 8 anos, politicamente correto, com vocação para pastor evangélico, volta para casa com as duas avós. A que vai ao volante é viajada, mas é tonta; a outra avó, não sabe dirigir, não é viajada, mas é mineira.
 
-Vó como é a vida na Itália? – obviamente, ele pergunta para a avó viajada. O pai acabara de chegar de Israel, via Itália e a conversa da tarde girara sobre o país.
- A vida na Itália... a vida na Itália é assim como aqui... as pessoas voltam para casa à noite, elas trabalham, vivem, amam, choram, tudo igual aqui no Brasil. Depois a avó pensou melhor e achou por bem informar um dado cultural qualquer. Então ela disse:
- A grande diferença é que lá as cidades existem há mais tempo, por isso algumas casas são mais velhas, outras mais novas, mas as pessoas são as mesmas.
A avó mineira desconfiada, uai sô, pergunta para o menino:
- Por que você quer saber como é a vida na Itália? Por acaso você está pensando em morar na Itália?
- Claro que não vó! Eu não falo espanhol!
 
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“Dado, da-a-do, cada um no seu quadrado...
Deus registra tudo, tu-tu-tudo...
Au-au-au o lobo é super mau... eu disse au-au-au o lobo é super mau.”
A neta de 4 anos, vai em pé, atrás, dançando um funk que mistura Deus, lobo e quadrados.
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O carro chega, rodando lentamente,  até a portaria de segurança máxima. Não é a portaria de uma prisão, é a portaria de um condomínio de casas, um condomínio localizado num lugar que vai do nada para lugar algum, mas onde, aos poucos, começa a ter tudo o que se tem em outros lugares, e dos quais se pensou poder, romanticamente, abdicar: academia, personal trainer, restaurante, loja de conveniência. E mais uma grande inconveniência:
 
 O carro precisa parar a 30 metros de distância e de lá o sujeito ao volante se identifica, via interfone, para o sujeito da guarita. E a pergunta é sempre a mesma : “aonde vai”?
 
- a avó viajada e tonta, fica irritada porque é a milésima vez que ela tem que:
a) Dizer aonde vai. 
b) Esperar que concordem com a sua ida e lhe abram a cancela.
c) Apresentar o documento de identidade para o segurança, que a essa altura já abriu a primeira, mas ainda mantém a segunda devidamente trancada.
d) Esperar que lhe anotem o número da identidade.
c) Aguardar o segurança interfonar na casa e pedir autorização para que ela possa entrar na casa que é dos seus netos, que estão no banco de trás do carro.
 
A avó viajada e tonta está irritada, mas a avó mineira, compreendendo porque essas coisas aconteciam, explica-lhe bondosamente: “ é por segurança, dona Ana. Isso é bom para quem mora aqui. O mundo tá muito perigoso. Já pensou se eles deixam um ladrão entrar?"
 
Ainda não me acostumei com os medos das pessoas que moram aqui. Meus medos são de outra ordem.
 
Transposto, enfim o portão, dignidades enesimamente fichadas no DOPS, outra afronta para o mundo dos que não moram aqui:
 
- o carro da segurança, nos segue a meia luz, em escolta armada, pára defronte a casa, nos deseja uma boa noite, espera que a porta se abra, que todo mundo entre, e só então vai embora. 

Lá de dentro a moça cabeça grita pela janela:
 
- Tem pitza, vocês querem?
 
 Eles querem: vão passar a noite queimando petróleo e terão a clássica fome da madrugada. Engatam a ré para buscar a comida. Eu sou a incumbida de   entregar a pitza para a vigilância uniformizada. Eu que, há pouco era uma perigosa em potencial, e me sentira com as mãos no muro, para cima, revistada.
 
Sorrio, meu sorriso de milênios,  e lhes desejo também uma boa noite. Tenho essa característica e dou graças a Deus por ela: impulsiva, um pouco rude, mas quando compreendo os motivos, a indignação logo me passa.
 
Também já sabia que tudo acabaria em pitza.
 
Lá, bem mais ao sul, eu durmo  olhando estrelas. E quando ouço um gato, miando de fome na esquina, às 3 horas da madrugada, abro a porta da rua e  escancarada fica; sinto o frescor da noite, olho para o céu, respiro fundo, trato do gato, tranco a porta e vou dormir. Bem, até há um mês era isso o que eu fazia. Antes do Tokinho, depois do Tokinho. Mais um divisor de águas.
 
- Caleidoscópio, loscópio, cópio, cópio, cópio.... o funk continua e eu já sei a letra de cor.

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Marlene. No outro dia, dou um jeito de conversar com ela. A história é mais nobre do que eu supunha. Mas de nobreza ainda preciso aprender para ensinar.
 
Marlene e Darlene eram vizinhas. Marlene – aparência de 50, idade real de 40. Darlene, aparência de safada, idade real de 15. Mô a idade dos machos sem caráter. Feitas as devidas apresentações, Mô engravidou Darlene, e o conselho tutelar da infância e adolescência,  ficou sabendo. Engravidar menor dá umas complicações(zinhas) maiores. 

Para salvar o Mô, escondeu-se o Mô no casa de Marlene, único lugar onde a polícia não iria procurá-lo. Mas Darlene foi junto.
 
E se as noites, para o Mô melhoraram, para Marlene virou um sofrimento dos mais puros. Uma noite ela chorou, e Mô ouviu. Então Mô perguntou, como na música do Bruno e Marrone:
 
- “Porque chora assim? No jogo do amor eu não fui desleal”... Conhecem a letra?
 
Ele não sabia!!! Que engraçadinho, esse Mô. Minha vontade é ir lá dar-lhe uns tapas nas fuças.
 
 Mas Marlene é muito diferente de mim. Pacientemente, olhando para os olhos de Mô, explicou apertando as mãos em contrição confusa: - “Eu não to agüentando Mô, eu amo você, tá muito difícil pra mim."
 
Nessa hora, Mô tomou a decisão mais corajosa da sua vida. Porque Mô é homem de uma grande coragem:
 
- “Darlene! De agora em diante você dorme no quarto com Marlene, até que a gente arrume um barraco para morar.”
 
 
E lá ficaram por um tempo, até que o novo casal se mudou, foram felizes por um tempo,  infelizes de novo, por outro tempo, e a vida andou: Darlene se mandou,  Mô voltou para a casa de Marlene, e o filho para a casa da avó, mãe de Darlene, que continua vizinha de Marlene.
 
Mas quem cuida do menino é Marlene. E como miséria pouca nem faz cócegas, a grande ainda estava aguardando para fazer a sua aparição: o menino, agora, está apresentando vitiligo, uma doença de pele de fundo emocional.  Marlene então, vem aprender com o doutor como se trata adequadamente um vitiligo, ouve a notícia de que a doença não tem cura,  e diz assim: “eu amo tanto aquele menino.”
 
Olhando nos seus olhos, me vem a última descoberta: são verdes - um caminho aberto para Deus. Marlene é maior do que eu pensava. Eu continuo pequena.

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Moral dessas histórias.
 
O que é a moral da história? É o ensinamento que você pode retirar daquilo que leu. Isso todo mundo sabe. Mas cada um retira da história, o que quer, o que precisa, o que deseja, ou o que lhe vai dentro do coração. E isso lembra algo que a Bíblia ensina: “ a boca fala do que está cheio o coração.” E a mente interpreta segundo essa abundância.
 
 Se o seu coração estiver temeroso de tentar habitar em outro país, você pode entender, na fala do menino, que há uma indicação para não ir habitar em outro país. Mas se o seu coração estiver desejoso de habitar em outro país, então você entenderá que é preciso aprender a falar a língua do país, antes de habitar esse país. Se você vai, ou se você fica, afinal, é uma decisão sua. Que você não pode atribuir a mim ou tentar adivinhar o desejo do escritor, apenas pelo que escreve. O escritor é um caleidoscópio.
 
Com a letra do funk você pode aprender que Deus registra tudo, e pode temer. Mas se você escolher brincar com o lobo mau, já sabe: “ eu disse mau, mau, mau... o lobo é super mau.” Outra escolha sua.
 
 Com Marlene, Mô e Darlene, o aprendizado é vasto como o mundo. Eu, por exemplo, escolhi Marlene como a princesa da minha história. Porque Marlene ama. Marlene ama com o amor dos puros, dos símplices, dos que se despojam de si para entregar ao outro o que ela tem de melhor. Marlene é a grande heroína da minha história.
 
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Cheguei ontem de viagem. Vocês pensaram que eu tinha ido para o outro lado do mundo? Que nada. Bélgica me espera, mas ainda demora alguns meses. Ou anos: depende da decisão de Deus. O polígono da seca, no Piauí também.  Wanderley está ajeitando o meu envio como missionária.  Tudo incubado, aguardando o nascimento. Que por final, só nascerá se Deus não abortar esses dois fetos ainda prematuros, mas ganhando peso e força a cada dia.
 
Paulo César Melges, de Londrina- PR,  a saudade estava sendo sua? Que nada! A saudade é minha. Voltei para dizer a vocês que escrever continua sendo a minha praia. Todo dia, uma vez ao dia, duas vezes ao dia, mil vezes ao dia. Enquanto Deus me permitir. Porque escrevo sob sua inspiração e, por isso, cada linha do que escrevo, só pode servir para honrar e glorificar ao nome dEle.
 
Mas isso depende da leitura que vocês fazem do meu texto.
Só uma coisa não depende de nada: o amor de Deus, em suas múltiplas manifestações  por cada um de nós: as Marlenes, os Môs, e as Darlenes.
 
Bom estar de volta. Tenham uma boa semana.