"ELES NÃO SABEM NADA"

“Porque os vivos sabem que hão de morrer,

mas os mortos não sabem coisa nenhuma (...)”

Eclesiastes 9:5.

“Porque os vivos sabem que hão de morrer,

mas os mortos não sabem coisa nenhuma (...)”

Eclesiastes 9:5.

– Eu não estou me referindo aos acusados do caso Isabella Nardoni nem aos do Mensalão.

Aliás, nunca dantes eu precisei tanto falar por alguém que, no mais literal sentido da palavra, não tem mais vez nem voz. Refiro-me à memória daqueles cujos corpos jazem sepultados no cemitério de Laranjal do Jari.

Recentemente eu estive naquele lugar de memoráveis encontros e silentes reflexões quando, de forma surpreendentemente espontânea, uma das pessoas [vivas] fez o seguinte alerta a uma família enlutada. “Cuidado! Não demorem fazer algum benefício sobre o sepulcro; senão, quando vocês vierem, já sepultaram outro em cima”.

E não foi sem fundamentação que tal alerta foi dado. De acordo com um dos serventuários que trabalham no local, nem é preciso cálculos para saber que há um enorme déficit de espaço para o fim ao qual se destina aquela área. “Nós temos que adivinhar onde há um espaço. Mesmo assim, não tem jeito; de vez em quando, acaba dando em cima de outro”, esclarece um dos coveiros, o qual explicou ainda que a falta de ordenação na seqüência das covas, desde o início, contribui bastante para a escassez de espaços.

Comparando algumas das obras de infra-estrutura construídas no município nos últimos 15 anos, percebi que para os vivos as coisas até que evoluíram. O número de moradias populares, por exemplo, multiplicou-se mais de vinte vezes; as escolas públicas passaram de umas 10 ou 12 na metade da década passada para mais de 20 até então, excetuando-se as da zona rural. Ainda foram construídos: um terminal rodoviário, duas praças, várias quadras poliesportivas e um estádio de futebol, que já foi parcialmente inaugurado. Até a ponte sobre o rio, que quase todos afirmavam ser apenas mais um devaneio político, começou a ser erguida.

O mais interessante nisso tudo é a diferença de logística entre estas obras e a construção de um novo cemitério, aja visto a infra-estrutura requerida para esta ser quilometricamente inferior à das outras.

Essa breve reflexão levou-me a duas interessantes conclusões: a primeira é que, em Laranjal do Jari, tem sido menos difícil atender várias necessidades – embora nem sempre a contento – de quem está vivo, do que apenas uma (a de um lugar para ser enterrado) de quem já está morto; a segunda, é que, coincidentemente ou não, mortos não votam, nem podem protestar contra nada – e isso faz uma diferennnnnça!

Realmente eles não sabem nem podem fazer nada.

“– Ainda bem!” Assim, ninguém se indispõe com ninguém. Eles não nos cobram nada, e nós não precisamos forjar justificativas nem elaborar novas promessas falsas para lhes granjear o voto e a confiança – ou pelo menos o primeiro.

Como afirmou o sábio, “(...) os vivos sabem que hão de morrer, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, nem tampouco terão eles recompensa, porque a sua memória jaz no esquecimento” – aliás, que esquecimento!