Sabonete eu não faço

Sempre que leio textos sobre mercado editorial, fico ruborizada diante da expressão “público-alvo”. Afinal, quer dizer que agora as editoras não precisam mais esconder que são doidas para vender livros, custe o que custar? Quer dizer que a onda agora é fazer pesquisa de mercado para saber o que o povo quer, dar exatamente a qualquer coisa que o povo queira e obter em troca o dinheiro, assim, explícito, assim, escancarado assim? Afinal, que as empresas são capitalistas e nos tratam como gado todo mundo sabe, mas o que eu não sabia é que agora elas não escondem mais isso.

A bem da verdade, acho algumas das medidas criadas para otimizar lucros até viáveis, como a noção de que um autor deve respeitar horários e prazos. Afinal, foi-se o tempo em que genialidade era sinônimo de desorganização, homossexualismo e cachaça. Dando certa flexibilidade ao profissional, já que não estamos enlatando sardinha e sim pensando, acho válida a pontualidade. Até valoriza o autor.

Agora, esse lance de público-alvo é o fim. Recorda-me o trabalho dos marqueteiros políticos, que saem sondando a população para fabricar uma imagem superficial e adequada às expectativas gerais, porque é a maioria que, se agradada, elege.

Não faz outra coisa o escritor de público-alvo. Ele se sintoniza com o que o público quer ler. Se corresponde ou não com o que ele quer escrever, não faz a menor diferença, com tanto atenda à maioria, porque o mesmo povão que dá voto dá dinheiro. E vamos produzir uma mercadoria de altas possibilidades de venda e riscos mínimos de prejuízo para a empresa.

Na verdade, pesquisa de mercado, reunião com a equipe de marketing, listagens de vendas, promoções e questões legais são palavras mais freqüentes no vocabulário do executivo do que do escritor. Ou deveriam ser... Quando se produz algo pensando exclusivamente em glória pública ou dinheiro, o cheiro da arte já vai longe há tempos, e o artista vira empresário.

Talvez por isso o M. Rilke tenha dito que, para ser poeta, é preciso se desvincular de qualquer expectativa em torno de aclamação ou sucesso.

Entre tanto e tão pouco, prefiro o equilíbrio. Escrever, ir a certo lugar, vestir-se de determinada maneira para agradar a outrem não são necessariamente comportamentos ruins. Quando abrimos o guarda-roupa e nos deparamos com a blusa que a pessoa amada aprecia, e a colocamos, só para agradá-la, estamos também nos agradando. Da mesma forma, o escritor pode sim aceitar textos por encomenda, acatar sugestões, interagir com o público e deixar-se modificar por ele. Por que não? É bom.

Mas há limites. Se homem algum escolhe o comprimento das minhas saias, leitor algum manda colocar ou retirar pontuação, define até onde irá meu parágrafo, minha loucura, meu texto. O texto é meu e o poder de sedução também. Tem dias em que estou a fim de te agradar, tem dias em que apenas faço o que preciso fazer.

Devemos nos abrir para influências, mas não nos arreganhar para o crivo da opinião pública. A opinião do povo geralmente é superficial, volúvel e canibal. (e, se a voz do povo é a voz de Deus, Deus que me perdoe, mas Ele precisa ler urgente)

Se ficar famoso e rico traz como preço o esmagamento dos princípios e gostos pessoais, é melhor permanecer anônimo e autêntico. Talvez o grande público não nos aclame, mas sempre haverá um público pequeno e bom, composto de quem nos respeita por não nos tornarmos vendedores de livros, que essa é outra profissão e não exige arte.

A gente não trabalha com produtos, mas com obras.

Enfim, me perdoem, mas sabonete eu não faço.

Jéssica Callou
Enviado por Jéssica Callou em 16/03/2006
Código do texto: T124189