Século XXI, a era dos corpos perfeitos

Entrei no século XXI, quase quarentona, sentia-me bem, ainda cheia de vida e beleza, não demorou muito para saber que fui excluída do convívio social, porque estava na casa dos quarenta e com o corpo fora dos padrões sociais. A feiura é uma das formas mais presentes de exclusão social feminina. Então, entrei morta no século XXI, tomando aqui o aspecto gordura como o paradigma da feiura. A imagem da mulher e do feminino continua associado a da beleza, havendo cada vez menos tolerância para os desvios dos padrões estéticos socialmente estabelecidos. As imagens refletem corpos super bem trabalhados, sexuados, respondendo sempre ao desejo do outro. Ou corpos medicalizados, fabricados a base silicones, lipos e tantos recursos maravilhosos que a ciência nos proporciona. Uma corrida contra o envelhecimento.

Para a mulher a beleza é um dever cultural, ser bela é ser magra. Não basta ser boa mãe, esposa dedicada, profissional competente, é preciso estar bela para ser valorizada socialmente. O olhar do outro, está sempre procurando nossos defeitos. Não é difícil perceber porque a feiura adquire um peso dramático na estética feminina. A beleza deve ser apreciada em detalhes, um simples desleixo é um bom motivo para a feiura aparecer: um esmalte descascado, uma depilacão por fazer, uma raiz para retocar.

Onde enquadramos as gordinhas? Por mais bem cuidadas, cabelos impecáveis, maquiagem perfeita, roupas da última moda, todos sacrifícios são inutéis, são rotuladas de gordas, fora dos padrões sociais. São agredidas psicologicamente pela tirania do corpo perfeito. As magras passam por torturas doloridas, passam fome, malham horas, para manter a forma. Gastam fortunas com cosmésticos, cabelereiros, cirúrgias e, etc. Acabam matando o próprio ego, para manter vivo o corpo. Uma verdadeira tirania a sua auto-estima, uma ruga pode ser sua infelicidade.

O fato é que nem magras e nem as gordas estão satisfeitas com o padrão de beleza estabelecido pela sociedade. É uma luta diária para ser aceita por um grupo social. E pensar que no universo masculino tudo é mais leve, mais simples, a beleza masculina está vinculada a traços agressivos e exagerados, vistos como sinônimos de virilidade. A rigidez com a beleza ancora-se na vida atribulada pela falta de tempo. Embora há um crescente mercado voltado para a beleza masculina, reina ainda uma visão preconceituosa, que encara os cuidados excessivos como pratica gay.

Na mulher a falta de esforço e de cuidados com a aparência leva a perda da identidade sexual. O impacto que a feiura tem sobre a imagem da mulher, é que a feia é menos feminina. O terror que se abate sobre a feiúra traz uma série de prejuízos sociais, psicológicos e físicos. O Feio vive uma tensão constante entre o constrangimento psicológico e as exigências simbólicas.

Sabemos que a nossa cultura exige um comportamento exagerado da mulher na questão beleza. A mulher quando está satisfeita com sua aparência pessoal, seu corpo, sente-se segura, tem uma boa relacão amorosa, familiar e profissional. Infelizmente o homem brasileiro ainda dá muito valor ao corpo, eles exigem um corpo perfeito, sem gorduras localizadas, sem celulites. A nossa cultura despreza o Ser, mulheres sensíveis, inteligentes, dinâmicas, grandiosas. Isso é loucura, é obsessão e está escravizando cada vez mais as mulheres. Será que ser belo é ser jovem? Parece-me que é impossível encontrar o belo fora da juventude. E pensar que na Europa as pessoas vivem 80, 90 anos, livres, saudáveis e despreocupados com a estética, com a beleza. As mulheres são felizes, realizadas e amadas pelo que são, jamais pelo seu corpo. Hoje vemos no Brasil mulheres jovens, 40, 50 anos, solitárias e completamente desesperançadas, achando impossível encontrar um parceiro, porque a preferência masculina é pelas mais jovens e de corpo bem feito.

É grosseira e desumana discriminação estética imposta pelos parâmetros ditatoriais das medidas, juntamente com o julgamento do obeso como uma pessoa que não tem força de vontade e que ele é assim por ser preguiçoso. Cogitar deixa-lo do jeito que estiver, principalmente se estiver se sentindo bem com isso, nem pensar. O policiamento cultural é intenso. O enfoque discriminatório pode gerar preconceito em relação à pessoa obesa, acaba proporcionando dificuldades para relacionamentos sociais e afetivos, problemas para encontrar emprego e até quadros psiquiátricos gravemente depressivos e conseqüentes a essa marginalização

Temos um mercado consumidor de “porcarias“. Doces, balas, sorvetes desfilam pela mídia, incentivando as mães a entupir suas criancas com guloseimas. Um apelo cultural da mídia que é uma armadilha para aqueles que não possuem conhecimento e acesso aos alimentos nutritivos e saudáveis associados a preguiça de preparará-los, tem sido as causas da obesidade infantil e adulta.

De fato, romper esses estereótipos culturais tem sido muito difícil. As pessoas são catalogadas culturalmente e classificadas em categorias sociais; jovens e belas, modernas, avançadas, de atitude, arrojadas, descoladas, enfim, nesse mundo pretensamente liberal e democrático, nessa sociedade que se diz respeitar a individualidade e autenticidade, quem não se enquadrar obrigatoriamente no modelinho da modernidade desejada estará, automaticamente, excluído do mundo das pessoas “de bem”. E um desses modelinhos implica na observância obsessiva dos limites do peso, tiranamente estabelecido por sabe-se-la-quem.

Eu vejo uma luz no fim do túnel, a educação alimentar e cultural. Também cortar as algemas do preconceito, temos exemplos daqueles que conseguem seguir o próprio caminho, emancipados dos estereótipos ou modelinhos culturais, parecem viver muito melhor. Todos querem a felicidade.

Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 24/10/2008
Reeditado em 03/03/2023
Código do texto: T1244978
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