Solidão

A única verdade que tenho, hoje,

como absoluta é que,

quando apago a luz do meu quarto

acendo a da minha solidão.

Parado no trânsito num calor infernal de dezembro, nem me dei conta que eram seis horas da tarde. Divagava um pouco e o que me fez perceber o horário foi o fato do rádio do carro ter tocado Ave Maria. Lembrei-me de uma valsinha chamada Londrina, em que um pedaço da letra diz: “o rádio anunciava a Ave Maria, e dava uma tristeza, uma vontade de chorar...” E senti mesmo, uma grande tristeza, uma vontade de chorar. A rua toda enfeitada para o Natal prenunciava o fim de mais um ano. Pensar em final de ano levou-me a pensar em minha vida. Num átimo de tempo fui invadido por um turbilhão de emoções sem explicação, uma situação que eu não entendia. Cenas iam e vinham à minha cabeça como retalhos de velhos filmes emendados a esmo. Um moleque de rua, que entendi tratar-se de mim mesmo, passou ao meu lado sem me dar atenção. Tentei falar com ele e não consegui. Vi-me recém formado e chamei por mim mesmo, mas o Eu-Mais-Jovem não me deu ouvidos. Cenas dos meus natais em família passavam voando pela minha imaginação e eu não conseguia fixar uma única imagem para que pudesse observar o que estava acontecendo. Vagamente via meus pais e meus irmãos, mas eles também não falavam comigo. Amigos de juventude passavam ao meu lado e não me davam atenção. Meus filhos passaram em frente a mim sem ao menos me olharem. Vi nitidamente minha primeira namorada sentada num banco de jardim, mas ela virou o rosto e foi-se embora.

Olhei para mim mesmo e tentei falar comigo. Carros passavam e desapareciam ao longe e eu não me achava. Aquela cena surreal estava me enlouquecendo. Todos haviam me abandonado. Eu havia me abandonado. Era como se eu, só eu, estivesse ali. Invisível. Ninguém me enxergava. Tinha medo de me tocar e a minha mão atravessar o meu corpo como se eu fosse um plasma. Atordoado permaneci imóvel. Um grande vazio me incomodava. Era como não ter mundo, não ter pernas ou pés, não ter braços para abraçar alguém, não ter alguém a quem abraçar. Tentei gritar, mas não consegui. Um silêncio imenso apoderou-se de mim. Eu queria poder entender o que se passava, mas não conseguia. Tudo e todos ao meu redor eram reais, mas não me percebiam. Seria eu irreal?

Permaneci não sei por quanto tempo naquela situação até que os acordes finais da Ave Maria me trouxeram de volta à realidade. Pude, então, perceber o que havia acontecido. Eu estava dialogando comigo mesmo. Com a minha solidão. Agora eu sabia porque só eu me enxergava. A minha solidão era só minha. Só eu podia entendê-la e falar com ela. As pessoas que eu via não a entendiam e por isso não podiam me enxergar.

Eu estava só, naquele instante. Segui meu caminho sabendo que só eu e minha solidão sabíamos o que havia se passado. E deu uma tristeza, uma vontade de chorar...

Carlucho
Enviado por Carlucho em 24/10/2008
Código do texto: T1246093
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