Fedor de creolina

Brotou uma vontade de escrever...

Fedor de creolina

Se você tem menos de 20 anos poderá estar se perguntando, creolina o que é isso?

Se tiver mais de 40 vai se lembrar do quanto a creolina é fedida.

Bem, quando eu era criança minha Cito (avó, em árabe) lavava o quintal com a minha ajuda; é claro que ela segurava a mangueira e eu a vassoura.

Crianças no meu tempo tinham tarefas a cumprir a fim de cooperar com a organização e tarefas domésticas. Varríamos todas as folhas, as carambolinhas abortadas, e as pra lá de maduras, juntávamos tudo com uma pá e levávamos para a lixeira. Naquele tempo não havia sacolinhas nem saquinhos plásticos e se dava um duro danado para encontrar algum. As embalagens eram de papel e papelão. Mas a lixeira era uma lata grande de alumínio com duas alcinhas, uma de cada lado, e forrada com jornal. Quando o lixeiro levava o lixo, nós a trazíamos para dentro de casa e a lavávamos com água e... creolina! Era o desinfetante mais poderoso que existia, e como o cheiro era ruim! A última água do banho dos cachorros também era uma água “temperada” com a creolina, por ser bactericida. Coitadinhos!!!! Os antepassados dos nossos cães de hoje nem sonhavam com o que seria um pet-shop. Dava dó de vê-los com aquelas caras de coitadinhos e ainda por cima mais fedidos do que quando começaram os banhos. Isso não nos impedia de abraça-los e acariciá-los. O pior era quando íamos secá-los e eles se sacudiam para eliminar o excesso de água dos pêlos, e até nós, as crianças, ficávamos cheirando creolina.

Sem contar a hora de lavar a calçada, que também era “regada com a poderosa”. Minha Cito sempre me dizia: é para os cachorros não fazerem xixi na nossa porta. Que desgraceira quando acabava a creolina; ao sair, tínhamos que escolher o lugar aonde pisar. Mas o que ela não me contava e que só muito depois entendi é que na soleira da porta de entrada havia um degrau, e como nossa casa era ao lado de uma padaria muitas pessoas ficavam por ali sentadas esperando a fornada sair, conversando, batendo em nossa porta e, quando íamos atender, não era nada nem ninguém!

Quando lavávamos a calçada com creolina por um bom tempo ninguém se sentava por ali.

Aí sim, à tarde, podíamos ficar um bom tempo, sossegadas. Ela contava as suas histórias, servia seus doces árabes, e ninguém nos incomodava.

Esta semana eu me lembrei da creolina. Tinha deixado de usá-la quando minha vizinha reclamou de dores de cabeça. Não queria problemas com ela, mas ela faleceu, e eu não estou suportando mais chegar em casa depois de um dia inteiro de trabalho para descansar e encontrar meu portão todo cheio de xixi dos cachorros da vizinhança; minha calçada tomada por motos carros, rapazes e moças fumando e bebendo, papéis de balas e os malditos chicletes, música alta (entenda barulho ou CRÉU) até altas horas da madrugada, e tendo que pedir licença e esperar com paciência que venham retirar suas motos e carros para eu finalmente entrar no recôndito do meu lar. Me estressou!

Não tive dúvidas. Fui na seção dos desinfetantes do supermercado e procurei sem esperança de encontrá-la. Afinal, com tantas coisas perfumadas hoje em dia. E lá estava ela, me esperando!!! Só havia mais duas latas e amassadas.

Vivenciei um dilema. Levo as três?

Ponderei, é melhor levar uma e fazer uma experiência, observar o resultado. Ao chegar em casa estava ansiosa; procurei um prego e furei a lata. Ah! Continua tão fedida! Na hora do almoço, quando não havia ninguém sentado no degrau da casa da vizinha, lavei com muito prazer a calçada, um dia, dois dias, no terceiro minha filha reclamou:

- Você está louca? Pra que isso? Que cheiro horrível!

-É para os cachorros não fazerem xixi, respondi, como minha avó, e também para impor respeito, quero chegar e poder entrar em casa, quero acordar e não ter que recolher o lixo que os outros deixam na minha calçada. E concluí: falta de educação e de cidadania fedem mais que a creolina.

Há dois dias estou em PAZ!