Carta ao menino que perdeu sua gata

Estava assustada e com fome, meio esquelética, quando chegou, e você quis ficar com ela. Já, já transformou-se na moradora mais importante da casa, não foi? Gostava de colo, brincava muito e encantava. Com o tempo começou a explorar os arredores e a dar umas voltinhas, inclusive pela rua. Você certamente se preocupava com as voltas dela, mas, no fundo, no fundo, sabia que cada gato, assim como cada pessoa, carrega a ânsia da liberdade e da descoberta dentro de si, e esperava sua volta, assim como a raposa do Pequeno Príncipe: responsável por ter cativado.

E ela morreu na ânsia da liberdade e da descoberta.

O que posso lhe dizer? Pensei em escrever que existe um céu para os gatos, mas, sinceramente, não sei se é verdade e, mesmo que fosse, talvez você não acreditasse, pois os adultos mentem muito.

Prefiro dizer outra coisa, algo que um tal de Horácio, que viveu há mais de dois mil anos, escreveu: “Carpe diem”. Significa, mais ou menos, “colha o dia”, ou “aproveite o dia”. O verso completo diz: “Colha o dia, confia o mínimo no amanhã”. O que tem isso a ver com sua gata? Que os gatos e toda Natureza sabem muito bem o que significa “colher o dia”. Colher o dia como se fosse uma fruta madura, pois cada dia só existe uma vez, só amadurece uma vez e o amanhã é incerto.

Apesar de sua pouca idade, você já deve ter observado que não existe um dia, uma hora, um instante sequer igual ao outro. Nenhuma chuva, nenhum vento, nenhum canto de pássaro acontece igualzinho novamente. A vida não se repete nunca e a Natureza aproveita cada segundo, cada espaço para colher o dia.

Sabe que acho que nós, os humanos, somos os únicos que nunca aprendemos isso? Queremos sempre o amanhã, lamentamos ou bendizemos sempre o ontem. O pássaro que constrói o ninho o faz hoje com prazer, a semente descansa em paz até a hora de desabrochar e a larva cumpre seu ciclo de espera até tornar-se borboleta e aí expor sua beleza por um período de duas semanas a três meses, apenas, mas, nesse curto tempo, encanta aos olhos e semeia toda vida que veio para semear.

Assim é com tudo na Natureza. Assim foi com sua gata: ela semeou alegria, distribuiu carinho, conquistou seu coração e seu cuidado e colheu cada segundo de sua curta existência.

E se você pensasse nela como uma emissária da Natureza que veio para deixar uma grande lição em seu ainda pequeno coração? A lição de viver com amor os bons e os maus momentos e deles tirar o máximo, algo que nenhum adulto aprende se não for como criança.