A morte da sombra

Não adianta. Para onde eu me movimento lá está a um braço de distância. Me segue impassivelmente. Que ser obscuro é esse, sem luz, sem vida própria sem a sólida dignidade dos meio-tons? O mais inquietante é que uma apostasia dessas, unidimensional, ousa arrogar-se o status de “ser animado”. Que petulância! Já pensei em sair às escondidas na calada da noite escura como breu em total ausência de luz para tentar despistá-la ou melhor, colocá-la em seu devido lugar, seu habitat natural onde fundindo-se obscuridade com escuridão resultasse una com a nulidade existencial. Ledo engano.

Resignado — mais por força da impossibilidade de pulverizar essa infâmia antroposófica — abstenho-me de lutar. Sento-me à sombra de uma macadâmia. Fustiga-me as seqüelas de minha imersão abstrativa. Cansa-me as tentativas. Cedo a possibilidade de um diálogo. Só há uma forma de colocar tudo isso às claras: um tête a tête em plena luz.

— Tenho muita curiosidade a seu respeito. De onde você vêm? Qual sua origem?

— Não tenho origem. Dependo da origem de outrem. Da sua origem. Existo só porque você existe.

— Posso lhe garantir que nunca ousei desejar que tal fato acontecesse. Se você existe é única e exclusivamente por sua própria conta. Não me agrada a idéia de ter uma réplica obscura.

— Não sinto inveja de você e essa sua dimensão de reflexos proporcionados. Sou a sua redenção acredite você ou não. Como não posso ser considerada uma consistência existencial a sua solvência é a minha solvência. O que nos une é a ironia; o que procuras me dissolverá; o que procuro dar-te-á um rosto, uma identidade.

O teu seguro “eu sou” tem raízes que conheço melhor do que pensas conhecer.

— Isso posso compreender. Não me sinto oriundo de tua terra natal.

Não posso dizer que sentirei saudades quando partir.

— Nem eu poderei dizer o mesmo.