Amendoim e Administração

Eu acabara de sair da faculdade. No semáforo, o carro foi obrigado a parar. Teria que aguardar alguns segundos. Já era um pouco tarde, por volta de 22:20 hs. Como todas as vezes que saio da faculdade, meus pensamentos flutuavam, entrelaçados a teorias e conceitos sobre organizações, buscando sempre resposta sobre métodos mais eficientes e eficazes para empreender e gerir empresas. Os pensamentos saltitavam entre cenário econômico, modelos de gestão, oportunidades de negócio, competitividade, tecnologias, governo, globalização.Nesses momentos a racionalidade dominava e só via números, gráficos, resultado de pesquisas. Nada era mais importante do que rentabilidade, desempenho, crescimento. Como receber financiamento, controlar, organizar, planejar, criar? Entretanto, em meio aqueles poucos segundos em que aguardávamos (eu e meu colega que dirigia) a luz verde acender, um vulto fez minha cabeça girar para a direita. Ainda bem que não era um fantasma nem um bandido, mas uma menina de seus nove ou dez anos que se aproximava. O vidro estava levantado, mas havia uma pequena brecha. Ela estava vendendo amendoins e me ofereceu, porém eu quase que instintivamente fiz um gesto de não com a cabeça. Não gosto de amendoim. O sinal abriu e seguimos em frente, mas como num fenômeno sobrenatural de dissociação, meu espírito ficou no semáforo. Meus pensamentos, agora desmontados, se desprenderam no ar das idéias sobre lucro e produtividade e despencaram feito uma taça de vidro no chão, esfarelando-se. A menina não teve contato comigo, nem com a ponta dos dedos, mas sua figura, a da menina que vendia amendoim a uma hora daquelas, naquela idade, sozinha num semáforo, fez questão de penetrar em minha cabeça para brigar no pulso com idéias bonitas e convencionais que teimavam em negar sua existência. Em seus olhos pude ver a cor da fragilidade, do abandono, da privação e ao mesmo tempo ver nos meus olhos e nos da sociedade a cor da insensibilidade, da miopia, do egoísmo, da hipocrisia. O vidro do carro mais parecia um muro de concreto que separava um corpo protegido e confortável de uma criança entregue à sorte de um mundo duro e injusto. Talvez ela estivesse com fome, talvez estivesse com frio, talvez estivesse doente. Meu espírito ficou alguns instantes por lá, junto a ela em meio aqueles carros, tentando vender amendoim, recebendo nãos, numa condição não superior a miserável. Mas ele não poderia ficar muito tempo por lá. Logo meu corpo chegaria em casa e precisaria dele de volta. De volta aos meus projetos, à minha rotina, à normalidade da minha vida.

Josué Mendonça
Enviado por Josué Mendonça em 19/03/2006
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