EU MEREÇO.
ANA MARIA RIBAS. 


Essas coisas acontecem  e eu mereço. Quem mandou ter nascido? Quem mandou vencer a corrida milenar e histórica? Fazemos aniversário pedindo  ou não  pedindo, vivemos querendo ou não querendo. Não me é dado nem esquecer que hoje é o dia do meu aniversário: o telefone toca a cada 10 minutos e o povo não perdoa.

 A linda menina da foto já prenunciava aos 4 meses a espantada que eu seria a vida toda. 
Fui nascer há mais de 500 anos, bem no dia das bruxas. E para agravar o estado mórbido da data, dois dias depois, comemora-se o dia de Finados. Quando eu era figura pública, ocorria-me de receber muitas flores. Tantas que eu não sabia aonde colocar.
 
E logo depois, vinha Finados. E eu queria levar todas aquelas flores para o túmulo do meu filho, mas não me deixavam. Diziam que não ficaria bem. Mas as flores não eram minhas? E quando alguma coisa é sua, não se pode dar a elas a finalidade que mais lhe traga conforto? Mas diziam que não podia. Então, ficava eu, rodeada de flores por todos os lados, celebrando a morte por todos os lados. Mas o que eu estava comemorando era o meu aniversário.   
 
Hoje, já não ganho mais tantas flores. As poucas que recebo parecem ter um significado mais profundo. O que não impede o sentimento de inadequação- comemoro ou não comemoro? Jantamos à beira da piscina ou jantamos à beira da televisão? 
Nossa, esqueci que hoje irei jantar sozinha: é dia de reunião do Rotary Club, em nossa cidade. Quem me mandou fazer aniversário em dia de reunião de Rotary Club?

Jantarei o que sobrar do almoço: se sobrar. E se não sobrar Eliane Vendramel me manda aqui em casa um sanduiche X Tudo lá da Lanchonete do Parque.  

Mas também não é bem assim. Dia do aniversário, é dia de comemorar. Fui buscar nas fotos o que comemorar. E claro que encontrei.  


Essa foto foi tirada em nossa Lua de Mel. Estávamos a caminho de Porto Alegre e passávamos por Torres, já no Rio Grande do Sul. Um frio tremendo. Um vento de lascar. Ele tirou o casaco e deu para mim. Isso ainda se faz? 

O que sei que ainda se faz, o que sei com certeza,  é assim como aconteceu hoje, em uma data especial:
 
Logo cedo, Ivo saiu trabalhar às 5 horas da manhã, deixando-me, sob a mesa do café da manhã,  a primeira flor: 

“ Salve 31/10 – Exatamente há xx anos Deus predestinou-me uma bela jovem para ser minha adjutora, amiga, companheira, amante e também a mãe dos meus filhos ( e porque não dizer agora, avó dos meus netos), aquela que tem me ajudado a atravessar o mar desta vida. Portanto, bendito seja Deus que na sua infinita misericórdia me premiou com você. Os meus agradecimentos também ao Sr. Ribas e a dona Maria pela bela iniciativa de tê-la feito, e edificado com o estôfo das pessoas íntegras. Parabéns pelo teu dia, muitas felicidades – te amo, um beijo, Ivo.”

Na primeira flor do dia, aqui nesta parte do sul, já sinto a responsabilidade do perfume. Um perfume é feito para perfumar. Ivo invoca como testemunha da  minha missão de perfumar, primeiramente o próprio Deus, depois nós dois enquanto casal, depois meus filhos, depois meus netos e por último, meu pai e minha mãe que já foram desta para melhor.
 
Esse Ivo é danado! Ele sabe que fazendo isso, terá de volta um amor ainda mais devotado.



Essa foto também foi tirada na mesma viagem ,ao sul. Estávamos em Itajai e era a primeira vez que eu ia para o sul do sul. Todos os anos, fazemos uma viagem ao sul. Não por romantismo, mas por hábito, por conveniência, porque estamos acostumados com balneário Camboriu e  com o perfume das flores do sul.
 
Ontem revirei as fotos mais antigas para digitalizar a minha história. Estou montando o acervo enquanto me está fresco o brinquedinho da multifuncional que comprei no país vizinho. E aqui, está o princípio do resultado da minha história digitalizada.

 
 Esse foi o jantar da “formatura” do segundo grau. Eu sou a do meio, levantando um brinde,  e só tenho noticias da primeira à esquerda, que é Lenita Losiuk. Não sei por onde anda Wanderlina Salmazo, não sei por onde anda Carminha Amaral Marques, não sei por onde anda Watfa Abou Chami. Mas tudo bem, a nuvem anda, a vida segue e eu nem quero mais saber de vocês. Devem ser agora respeitáveis senhoras fazendo tricô para os netos.
 
 O que eu quero mesmos saber, é quem são esses três fantasmas atrás de mim. Reparem na foto: há três vultos de mulheres posicionadas bem nas minhas costas. O que é isso? Alguém faz idéia do que é isso? A parede é metade de madeira, e metade de alvenaria.  Na foto original não se vê absolutamente nada, só depois de digitalizada é que aparecem esses vultos brancos.

Enfim, como se não nos bastassem o assombro do mundo dos vivos, tenho eu agora que me preocupar com o assombro do mundo dos mortos?  O que é “isso?” Alguém que entenda “disso”  pode me dizer o que é “isso”? 

O texto  de hoje tem matéria santa e matéria profana. Quem quiser enxergar matéria santa, verá matéria santa. E quem quiser enxergar matéria profana terá até fantasmas para interpretar e compor a versão escrachada.
 
Mas a verdade é que a  vida é feita de instântaneos coletivos, de "flashs", de cheiros, de sons, de sabores,  de paisagens que se eternizam na memória, de valores que compõem a história. 

 E hoje, além de tudo,  é o Dia das Bruxas. Feliz dia das bruxas para todos vocês.  
Ana Ribas
Enviado por Ana Ribas em 31/10/2008
Reeditado em 08/11/2008
Código do texto: T1257714
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