Um dia um baile

Eu não sei o nome dela, faz muitos anos, no tempo em que uma reunião de seis garotos e uma vitrola trazia outro tanto de garotas da vizinhança, e nascia um baile.

Ela apareceu calçando sapatos maria-mole vermelhos, meia soquete branca, uma saia curta godê da cor dos sapatos e um brilho nos olhos que fez minhas pernas tremerem. O mundo todo me pareceu encerrar-se ali; eu senti a ausência de tempo e espaço encostado no tanque de lavar roupas de dona Rosa, mãe do meu amigo Valdir, que cedia o pequeno quintal de cimento queimado com cantos desgastados para a música exercer o fascínio de aproximar pessoas e unir corpos tímidos em seu nome.

Consciente da cobiça que sua presença despertou, ela entrou olhando para todos sem ver ninguém, e foi sentar-se em uma cadeira encostada na parede oposta de onde eu me encontrava, conversando com a amiga para não perder a compostura.

O tempo e o espaço me voltaram. Incorporei Rock Hudson em “Adeus às armas”, e com a segurança de um leão com a fome saciada, desfilava entre meus amigos a me mostrar. Ela sorriu para mim; a timidez que me secava a boca teimava em não aderir ao impulso que o coração exigia, mas o instinto de macho a sobrepujou e, ao tomá-la nos braços, flutuei; aliás, flutuamos sozinhos no embalo de músicas que sentíamos, mas já não ouvíamos. Os corpos foram aos poucos se unindo, o suor de nossos rostos se misturavam e as bocas se tocavam; os olhos transmitiam mensagens para nossas almas e criaram na minha sulcos tão fortes que até hoje, passados mais de quarenta anos, ainda lamento não lhe perguntar o nome.

Do livro "Coisas do Coração" de Carlos Campregher