O PARANÓIDE

Zélia era funcionária de uma imobiliária. Nunca reclamava do dia-a-dia. Sorria com placidez e serenidade, atendia os que lhe procuravam com presteza, como se nada ocorresse de anormal em sua vida. Três meses depois, separou-se do marido.

Sabíamos que ele a espreitava nas esquinas, a observava pelas frestas das vidraças e até montou um esquema de espionagem para seguir-lhe os passos no trabalho. O companheiro via a possibilidade de traição, fantasiava em pontos ocultos das mulheres e mantinha-se sempre vigilante, aliás, hipervigilante. Ela nunca comentava com as colegas e procedia como as mães de antigamente: “nunca fale mal do seu marido. Casamento é para toda a vida”. Infelizmente, a vida nem sempre repete o drama . Zélia se rendeu ao oculto sofrimento, não suportando as mudanças que a mulher pós-moderna adquiriu. Apartou-se e hoje transborda um ar mais alegre e seus olhos são mais luzidios. Sua cortesia ainda é mais delicada.

O marido é uma personalidade paranóide. Padrão inflexível. E aprendi com meu mestre, profº Marcos Rogério, após cinco anos de ensino de psicoterapia cognitivo-comportamental que o paranóide é um ser a espera de ser sempre maltratado e explorado. Questiona, sem justificativa, a lealdade ou a fidelidade, relutante em confiar nos demais com receio de que a informação um dia seja usada contra si. Pensa de forma constante que pode ser humilhado, vítima de ameaça. É rancoroso e implacável com aquilo que interpreta ser insulto ou desprezo contra si, partindo para o contra ataque com raiva quando se acha minimamente criticado.

Ainda, na visão cognitiva, o paranóide tem hipertrofia de si, como nobre e invulnerável. Os outros são interferentes e abusadores. Têm crenças de permanecer em guarda, pois a desconfiança é o fulcro de sua fragilidade. E, como estratégia de ação comportamental, procuram motivos subjacentes para acusar, suspeitar e desrespeitar .

Seu objeto de amor, a pobre Zélia, em face de uma personalidade passiva, fez-se vítima permanente de ciúmes infundados e provocativos. Carlos, o paranóide, desconfiava do próprio ar que Zélia respirava, submetendo-a, de forma constante, a provas. Examinava-lhe a roupa, buscava por olfato de esperma em suas vestes íntimas e percebia nos olhares para a companheira, tentativas de conquistas, frutos de sua mente doentia. Carlos é susceptível, sensitivo, interpretativo. Diante da dúvida, opta sempre para pensar, adivinhar o que os outros estão pensando. É perspicaz, pois desde cedo desenvolveu a arte da vitimologia.

Os paranóides utilizam, por desconfiança, a arte de inspirar falso amor e falsa empatia. Sendo vulneráveis a críticas, desconfiam da lisonja. E, paradoxalmente, gostam dos que os aplaudem e batem palmas por se acharem personagens ideais. Nessa contradição, dissimulam para despistar a revanche para com quem julga hostis.

Os paranóides podem até vencer na vida profissional e política, porém fracassam no convívio sentimental, já que desde muito antes usam do argumento lógico, em excesso, para derrotar suas presas.

Por sorte, Zélia, da próxima vez, seja mais assertiva, mais afirmativa. Com o próximo amor se ainda lhe resta disposição para a luta, aprenda com essa lição que a vida lhe premiou

Maurilton Morais
Enviado por Maurilton Morais em 22/03/2006
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