Um domingo como outro qualquer

    Já estava com saudades de passar um domingo em Lavras depois de passar dois em Recife. Sair da rotina é bom, mas voltar para a rotina é bom também. E minha rotina aos domingos tem duas faces: ou faço o almoço e não vou a Praça ou vou a Praça e não faço o almoço. Quando vou a Praça normalmente é a trabalho e quanto faço o almoço é puro prazer. Não que o trabalho também não seja prazeroso, mas cozinhar está na minha lista de as dez coisas que eu mais gosto de fazer na vida.

    Aprendi a cozinhar como uma forma de arte há pouco tempo. Antes, cozinhei algumas vezes por pura obrigação. Mas houve um dia em que tive que escolher entre comer fora todos os domingos ou reunir a família na mesa da cozinha. Ou da sala de jantar, que tenho as duas. Escolhi cozinhar e escolhi também experimentar. Pode-se dizer que minha experiência mais lembrada aconteceu quando eu decidi fazer frango ao molho de chocolate. Foi um Deus nos acuda. Como não deixei ninguém entrar na cozinha enquanto preparava o almoço ninguém conseguia descobrir que raio de molho era aquele. Eu me recusei a falar e então foram à cata de pistas. Que encontraram na lata de lixo: um pacote inteirinho do chocolate do Padre. O engraçado é que todos comeram, elogiaram, mas me pediram para não fazer mais. Muito calórico, disseram.

   Há algum tempo que eu estava dizendo que iria fazer um arroz negro. Uns torciam a cara, outros nem ouviam. Mas antes de viajar fui à Adega Gourmet e comprei um pacote de arroz negro. Danado de caro. Mais vale um gosto que dinheiro no bolso, pensei. E além do mais nem vou precisa tirar o dinheiro do bolso, que nem tenho bolso nem dinheiro. Usei o cartão. Levei para casa as duas caixas que comprei, a de arroz negro e a de arroz arbóreo, que também gosto de fazer risotos. Guardei na despensa e fui viajar.

  Hoje é aniversário de minha irmã Vera. Uma das seis, a decoradora. Vera odeia comidas complicadas e o marido dela adora comidas complicadas. Ele se auto intitula minha cobaia culinária. Fiquei pensando se seria justo com Vera convidá-la para almoçar e oferecer exatamente um prato completamente desconhecido para ela. Mas eu estava louquinha para experimentar. E experimentei.

   
   Andei lendo algumas receitas e pensei que iria tirar de letra. Negro engano. As formas de fazer o arroz que me foram apresentadas eram muito variadas e, portanto resolvi fazê-lo da forma que achei seria a mais simples possível: coloquei azeite na panela, refoguei alho e cebola e logo a seguir o arroz. Como líquido para cozinhar o arroz utilizei caldo de carne. Foi aí que começou o meu drama. O arroz não cozinhava, não crescia e o caldo não sumia. Enquanto isso preparei a salada (alface, cenourinha e palmito), a carne (peito de frango em pedaços, refogado no azeite, com pimentão amarelo e vermelho,tomate sem pele ou semente, pimenta calabresa, leite de coco e creme de leite). Já estava tudo pronto e nada do arroz secar ou cozinhar. Acho que vamos ter que comer a carne com o pão, disse para o Dudu que estava na cozinha planejando a minha vida esse tempo todo. Penso que ele não gostou da idéia porque foi tomar banho. Foi aí que tive o insight: liguei para a Vera, pedi que esperasse um pouco antes de vir para o almoço, joguei o arroz negro em uma panela de pressão e enquanto ele cozinhava fiz uma panela de arroz branco. As 13.30h, duas horas e meia depois de ter começado o almoço, a comida foi posta a mesa, arrumada com primor, como sempre, pela Valéria. Outra das seis, a terapeuta holística. Sinceramente, coloquei o arroz negro a mesa apenas por desencargo de consciência. E não é que gostaram! Apelidado pelo meu cobaia de arroz-obama, comparado ao caviar (e não é que parece!) o arroz foi um sucesso. Já estou com idéias novas para repetir a dose. O fato é que o saboreamos acompanhado do vinho que o Lucas trouxe e comemos a sobremesa que a Val providenciou: sorvete de creme com passas ao rum.

     U
m amigo meu, amigo a qual nunca apertei a mão ou olhei olho no olho me passou um e-mail. Tomo a liberdade de reproduzi-lo aqui pelo tanto que me fez bem:

Querida Merô: hoje aconteceu uma coisa realmente interessante. Acordei com uma enorme vontade de conversar com você. Não sei  explicar exatamente o motivo, mas o certo é que a primeira pessoa que me lembrei foi você, minha...minha só não...nossa querida Merô. Tem certas amizades que nos tocam, ficam presas dentro de nosso peito, ainda que fiquemos séculos sem manter contato. Acontece assim com você também? Imagino como seria o seu domingo... acordar por volta das 9... talvez assistir a missa das dez, almoçar com alguém da família ou amigos ou algum amigo especial... e à tarde...visita a algum evento cultural e se fizer calor... outro bom programa é tomar um sorvete de creme na pracinha. Amiga, o que quero dizer na verdade é que, desejo de coração que seu domingo seja ótimo, com muita paz, alegria e diversão. E que também receba abraços, assista um filme, leia um bom livro e nos brinde (a mim em particular) com mais um de seus maravilhosos textos. Se me permite, te mando um abraço bem apertado e um grande beijo,

 Não coloquei a assinatura porque não lhe pedi permissão. Mas este texto que estou escrevendo é para contar a ele como foi o meu domingo. Um domingo muito quente. Depois do almoço, deixei que arrumassem a cozinha e saí. Fui ao velório, abraçar amigos que se despediam do pai, do irmão. Fiquei por lá até a hora do enterro relembrando outras pessoas que partiram. Quando voltei para casa, televisão ligada, o futebol correndo solto, resolvi cochilar um pouco. Não só cochilei como dormi ao ponto de ter um pesadelo: meu pai tinha morrido e eu não conseguia chegar até ele. Acordei em pânico, a tarde já se fora, a casa em silêncio, escuridão. Tropeçando nos sapatos espalhados pelo quarto fui à busca de gente e aí voltei ao meu centro: um bom lanche, o computador ligado, lendo meus e-mails encontrei este. Vou acabar de escrever e imediatamente postar. Depois, antes de dormir, continuar a leitura de A cidade das palavras, de Alberto Manguel. Como podem ver, um domingo como outro qualquer.