Dia das Mães
As árvores se desnudam e pintam o outono com o derramar de suas folhas na tela negra do asfalto.
É o segundo domingo de maio.
Apesar dos dias consagrados a pais, mães, namorados etc... estarem muito mais voltados para a promoção do consumo, muitos filhos, aproveitam esse dia para refletir sobre a forma como se relacionam com suas mães e sobre a maternidade.
Para aqueles que, de forma irreversível, só podem ouvir a voz da ausência materna, e que durante o período de convivência não conseguiram objetivar sua gratidão e amor, essa reflexão, provavelmente, deve ser invadida por pensamentos e sentimentos que procuram preencher aquilo, que na sua percepção de filho, deveria ter sido feito.
Sentimentos e pensamentos regidos pelo maestro da ausência : a saudade.
Admiração, tal como a uma noite de luar, pelo amor materno manifestado principalmente numa grande responsabilidade pelo presente e futuro do filho: por um profundo conhecimento, mesmo que intuitivo, da personalidade e do caráter do rebento; e extremo respeito à individualidade do mesmo.
Tristeza, como um testemunho, pela incapacidade para aproveitar melhor o convívio e saborear mais intensamente a cumplicidade e o incondicional do amor materno.
Gratidão, tal como às abelhas fazendo o mel, por tanta atenção, dedicação e carinho, que são dispensados até o rebento se tornar independente. Pelos cuidados, em regime de abnegação e horário integral, sem os quais não existe sobrevivência para o bebê. Enfim, pela dádiva maior recebida, a vida.
Alegria, tal como a gerada por banhos de chuva, pela convicção de serem os filhos a razão de uma das maiores realizações da mulher-mãe
Frustração e arrependimento, por, naqueles dias das mães que marcaram o convívio, não terem sido as atenções, os cuidados e os carinhos recebidos retribuídos com palavras, rimas ou prosa. E, sim, seduzido pelos “cantos das sereias” do consumo, com presentes e filas de restaurantes.
Compreensão ao observar as folhas mortas, as árvores desnudas e a brisa fria de outono, que revelam o, processo de transformação da natureza. É necessário que a árvore se desnude no outono, para acontecer o vicejar na primavera.
Apesar da ausência, "Retratação de Filho" são rimas que há muito deveriam ter sido feitas. Representam nossa esperança de que o processo de psicografia funcione também no sentido inverso: de um filho para a mãe que já realizou o outono da sua existência terrena e agora viceja na sua primavera pelos espaços de uma outra vida.
"Retratação de Filho" registra os sorrisos e lágrimas decorrentes do turbilhão de sentimentos e pensamentos que invadem aqueles que escutam a voz da ausência num dia das Mães: arrependimento, frustração, alegria, gratidão, tristeza, compreensão saudade...
Retratação de Filho
No útero, o solo-berço da semente.
No ventre, o espasmo da vida.
No rosto, a esperança presente.
No colo, alimento e guarida.
No calor, foi a sombra,
no frio, o agasalho,
na dor, foi a lágrima
e na alegria , o riso.
Na dúvida, foi a certeza,
no erro, o conselho,
na solidão, a companhia
e na formação, o exemplo.
Ensinou com o coração:
a mãe das mães é a Mãe-Terra;
todos seus filhos, todos irmãos;
aliem-se a paz, desertem da guerra.
Do lar foi a sacerdotisa.
Transformou, em templo, a casa
e ensinou com sua reza:
a Mãe da Mãe-Terra é a Mãe Divina
É maio, é domingo,
é ausência, é o tempo,
é a prosa, são as rimas
acusando o engano.
É maio, é domingo,
é a retratação de filho
por nunca ter dito:
mãe eu te amo;
mãe eu te amo;
mãe eu te amo.