Historieta da 1ª República Portuguesa ( à minha maneira)

A primeira República abrangeu um período de tempo desde 1910 até 1926. Entender com clareza o que se passou em termos políticos e sociais durante estes dezasseis anos
faz-me lembrar uma tarefa que eu ajudava a minha mãe a realizar quando era criança. Como se dedicava a fazer camisolas de malha, comprava lã em meadas. Era preciso transformar as meadas em novelos. Colocávamos a lã à volta das costas de uma cadeira e começávamos a enrolar o fio formando uma bola. Mas a lã vinha toda embaraçada e por vezes o fio não corria. Era um quebra-cabeças complicado que por vezes nos entretinha horas ao serão. Assim se me deparou a compreensão dos factos neste conturbado período da nossa história. Ainda me falta deslindar uma grande parte da meada. No entanto, após consultar quatro fontes diferentes vou começando a formar na minha mente algumas ideias. Surgem-me, por vezes, dúvidas variadíssimas impelindo-me a continuar a pesquisa.
No entanto posso começar por contar a história que se vai instalando na minha imaginação. Não sou historiadora e nem pretendo dar lições de história. O que me dá uma certa liberdade de me deixar envolver emocionalmente com algumas figuras históricas desta trama. No entanto posso assegurar que tudo o que for divagação da minha própria lavra será devidamente assinalado. As fontes que li com cuidadosa atenção são: o volume XI da História de Portugal do Professor Joaquim Veríssimo Serrão, os cinco volumes da História da República de Raúl Rêgo, o Relatório de Machado Santos sobre os acontecimentos do 5 de Outubro e finalmente O Poder e o Povo do Vasco Pulido Valente.
Tinha interrompido a leitura deste último porque não apreciei o estilo do autor nas primeiras páginas. Resolvi retomar a leitura e em boa hora o fiz pois gostei bastante do livro. Não encontro discrepâncias graves com as outras fontes. Mas Vasco vai mais longe e dá-nos uma visão mais profunda da estratégia política da ala radical do partido republicano português (PRP).
O que me desgostou na primeira parte do livro foram frases estranhas vindas de um investigador que apresenta a sua tese de doutoramento em Oxford (este livro é baseado nessa tese).
Por exemplo: “ Meses mais tarde Teófilo Braga pôde dizer (com típico desleixo) àqueles a quem restava alguma “esperança” na ressurreição nacional que precisavam de escolher entre “ a Monarquia ou o interesse particular de uma família” e a “ República ou o interesse geral do Estado”. Ora bem, o homem era republicano e até foi o primeiro presidente da República deste país. De onde é que vem o “ típico desleixo”? Terá andado na escola com Teófilo o avô do Vasco que por isso lhe conhecia os “típicos” modos ? E o que significa desleixo neste caso concreto? Não engraxava bem os sapatos? Andava despenteado? Dá a sensação que o autor está a par de factos que quer guardar só para si e não deseja partilhar com o leitor. Neste caso percebe-se bem o título do livro: O “Poder” é dele, o escritor, e o “Povo”, que somos nós, que nos aguentemos e fiquemos sem perceber o que raio é que o levou a escrever “certas e determinadas coisas”. O problema das aspas também me causa espécie. Ao colocar aspas em palavras tais como “ patriotismo”, “esperança”, “liberdade” dá ideia que está constantemente a achincalhar aqueles que defenderam uma ideologia em nome da melhoria das condições de vida num país que por acaso era Portugal. O autor até pode saber bem “o que é que a casa gasta” mas estava em Oxford e dá ideia que se esquece que não é mais um britânico a gozar com o seu aliadozinho de trazer por casa...
Mas dando o devido desconto e tendo em conta que o whisky do Reino Unido é muito bom lá ultrapassei a irritação e li o livro até o fim ficando bastante satisfeita.
Não tem razão o Miguel ao dizer que o Vasco criticou a falta de pesquisa histórica do seu Rio das Flores por inveja. Diz o Miguel que o Vasco sempre ambicionou escrever um romance e nunca o conseguiu. Ora Miguel, eu sou insuspeita para o afirmar, porque o admiro imenso e gostei do muito do Equador, o Rio das Flores tem uma pesquisa história muito fraquinha em relação à Primeira República. E quem escreve ensaios históricos como o Vasco, e são já alguns, para que haveria de querer escrever um romance? E já agora, lamento dizer, a parte de romance do “Rio” é decepcionante.
Voltando ao tema da República, ela esteve quase para não acontecer. Pelo menos no 5 de Outubro. Porque mais tarde ou mais cedo a Monarquia estava condenada a cair. Quase tudo correu mal. Um dos líderes da revolta, Miguel Bombarda, que estaria destinado a ser o primeiro chefe do governo, no dia 3 de Outubro, é atacado a tiro por um dos doentes psiquiátricos no seu gabinete no Hospital de Rilhafoles. Ferido mas muito calmo, apelou que não matassem o louco e disse: “ Não são duas balas que matam um homem. Tenho de ir ao Hospital de São José que estou ferido!”
Chegou bem disposto ao hospital e foi operado. Aqui começam as minhas dúvidas. Raúl Rêgo afirma que a cirurgia durou 15 minutos. Quinze minutos!?? Nem para operar uma gata chegam! Os médicos não encontraram a bala (pudera!) e passadas umas horas o homem morre. E fez muita falta. A revolução prosseguiu mas o seu lugar no primeiro governo provisório seria ocupado por outro. E talvez a sua capacidade conciliadora tivesse levado as coisas por outro rumo.
Outra figura crucial da Revolução foi Cândido dos Reis. Entrara para a marinha com 17 anos e chegou ao posto de vice-almirante. Era um homem muito respeitado por todos. Pediu a passagem à reserva para poder consagrar-se à revolução em marcha sem ofender a honra militar. O aliciamento de grande parte da marinha deveu-se em grande parte a ele. Também a Machado Santos.
Cândido dos Reis, chefe militar da revolução, dera ordem para o início das hostilidades à uma hora da madrugada de 4 de Outubro. Os cruzadores Adamastor e S.Rafael tinham recebido ordens para bombardear o Palácio das Necessidades, cabendo ao Almirante, no início da madrugada, embarcar no cruzador D. Carlos para assumir o comando da revolta.
Então o que foi que correu mal? Parece que foi a falta de estafetas para levar informação da zona de terra para o rio. Eu cá acho que foi mais a falta de telemóveis...
Machado Santos no seu relato dos acontecimentos explica claramente que não havia sido combinado nenhum sinal sonoro para o início da revolta. Por isso não houve nenhuma salva dos cruzadores São Rafael e Adamastor quando estes já estavam em controlo dos revoltosos. Cândido dos reis preparava-se para entrar num dos vapores Dinorah ou Chire que estavam com dificuldades técnicas para navegar. Quando já estava dentro do Dinorah chega o segundo-tenente Aragão de Melo que lhe diz que tudo estava perdido. O homem acredita (“já não há homens capazes de salvar este país!) e vai-se embora. Horas mais tarde é encontrado morto com um tiro na cabeça perto de sua casa em Arroios.
Nessa altura já Machado Santos resistia na Rotunda lutando contra uma força dez vezes superior à sua.
O plano da revolta falhara. Quem terá salvo a República?




AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 15/11/2008
Reeditado em 23/02/2009
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