"As Velhinhas Encrenqueiras" =Crônica do Cotidiano=

Quase todas as manhãs saio a passeio com minha cachorrada. A Kika, a Tuca e o Bill levam-me pelas ruas do bairro puxando-me como se eu fosse um trenó enfrentando uma tempestade de neve. Param de repente, atraídos por algum cheiro, examinam dezenas de locais como detetives à procura de uma pista, entram em sérias discussões com todos os outros cães presos por portões, ou nas coleiras; passam humildes, silenciosos, totalmente absortos em seus pensamentos por algum pittbul ou qualquer outro tipo perigoso e, como todo e qualquer cachorro, fazem suas necessidades sem escolher lugar ou momento. O que tem me criado algumas situações engraçadas apesar de eu recolher com duas sacolas de supermercado todas as sujeiras sólidas produzidas por eles. (Claro que uma das sacolas para proteger a mão, como uma luva, e a outra para transportas os “cheirosos” dejetos.)

Há algum tempo atrás a Tuca resolveu parar no meio da rua para uma evacuadinha rápida. Local perigoso, perto de um ponto de táxi, perto de uma esquina. Quem já tentou puxar um cachorro obrando sabe a dificuldade que é para movê-lo. Deixei a sujeira ali mesmo para ser levada pelos pneus. Quando recomeçamos a andar, uma senhora saiu de sua casa, colocou as mãos na cintura e exclamou indignada:

- Muuuuitoooo boonito...

Aproveitei para ser gentil como sempre:

- A senhora gostou mesmo? Pode guardar pra senhora.

Outra velhinha, daquelas que têm cara de estar sempre de mal com o mundo, aproximou-se do muro da casa enquanto a Kika aliviava os intestinos e me perguntou grosseiramente se eu não achava um absurdo o cachorro fazer aquilo na frente da casa dos outros. Sempre gentil e paciente para com as pessoas da sexta idade, respondi que acharia um absurdo se ela, a senhora, fizesse aquilo. Cachorro não. Ainda mais que eu estava com duas sacolas em uma das mãos para recolher as fezes. A “paçoquinha” ficou brava:

- Tive cachorros a vida inteira e eles nunca fizeram isso na rua.

- Já ouvi falar deles, minha senhora. Não era a senhora que tacava uma rolha em cada um antes de sair de casa? Ou a senhora era a que punha fraldas na cachorrada?

Ela não me respondeu. Fingiu que não ouviu.

- Tudo na vida é uma questão de educação, moço...

- Também acho, minha senhora. Minha mãe, por exemplo, é uma senhora idosa e muito bem educada. Não fica provocando encrenca com quem passa na rua, como certas velhinhas que conheço.

Dois quarteirões adiante há uma outra velhinha que fica sentada em um banco na frente do prédio onde mora, sempre com um poodle no colo. Quando o bichinho magrelo, e com jeitinho de boiola, vê minha cachorrada, voa para o portão e late feito desesperado, esganiçado feito ele só. Ele late e a velha grita, xingando minhas “meninas” e o Bill. Quanto mais ela xinga, mais a turma toda late e mais ela faz gestos para que eu me afaste. Gesticula porque no primeiro entrevero canino eu disse a ela em alemão que não entendo português. Quando eu puxo a turma e sigo em frente sempre a ouço dizendo:

- Alemão de merda!!! - ( um dia eu ainda “fica furriossa” e ela fai fêrrr...)

Um dia em que ri com vontade foi ao virar a esquina da avenida onde moro com a primeira rua à direita, cheia de tapumes por um bom trecho, e nós quatro darmos de cara com uma senhora que se grudou aos tapumes, com os olhos arregalados de pavor:

- Calma, minha senhora, meus leões são mansos...

Por pura maldade deixei que a Kika cheirasse os pés da medrosa e a mulher parecia que ia escalar o tapume na tentativa de escapar de minha pacífica turma de quatro patas. Não resisti: quando acabamos de passar por ela, e ela recuperou os movimentos e saiu andando devagarinho, (devia estar com a “caixa de correspondência” ainda comprimida) dei um rugido alto e ri de chorar quando ela saiu correndo. Que vida triste ela deve ter nesta cidade cheia de latidores de todos os tipos, tamanhos, raças e temperamentos...Deus que a proteja deles...

Tendo observado que a Kika e a Tuca ficavam magoadas quando me perguntavam de que raça elas são e eu respondia “vira-latas”, passei a dizer que as duas são tipos diferentes de “Dvorniajca”, o que as deixa mais felizes, mais orgulhosas, já que elas também não sabem que isso quer dizer vira-latas em russo.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 17/11/2008
Código do texto: T1287318
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