O ninho inacabado

Na varanda de minha casa, tenho alguns vasos com plantas que cultivo meio que "ao Deus dará".

Sem dar-lhes muita atenção, mas também sem desprezo, vez por outra me pego a observá-los distraidamente.

Dias desses, fui surpreendido por um casal de pássaros, de uma espécie que eu não soube identificar, tecendo um delicado ninho entre as folhas de uma destas minhas culturas.

Fiquei impressionado e remoendo idéias controversas em minha mente desocupada naquele sábado improdutivo.

Inicialmente fiquei a me perguntar porque tendo ao lado de minha casa um lote vago e totalmente arborizado, os pássaros escolheram a varanda de uma residência ocupada e movimentadíssima, além de um arbusto de baixa estatura e, portanto, nada seguro para edificarem seu lar.

É sabido que as aves costumam usar o poder do vôo justamente para construírem seus ninhos de amor em galhas altas e protegidas das intempéries e dos predadores.

Todos temos um pouco de filosofia de bar, sem o que, acredito eu, a vida haveria de ser ainda mais difícil do que já é. Afinal de contas, poucos são os que têm hoje acesso a um Analista, que lhes desembarace os nós que o mundo teima em fabricar diariamente em nossas mentes limitadas, com questões, humanamente, de difícil entendimento. Então passei a conjecturar, e tentar encontrar uma explicação plausível para o fato.

Imaginei que, a exemplo dos homens, também naquelas criaturinhas, a juventude enche de ímpeto e empolgação coraçõesinhos que, inexperientes e ansiosos, acabam se atirando de corpo e alma em aventuras por vezes bastante arriscadas, em busca da realização de uma paixão recrudescida. Aí, vale mais a realização imediata, do que a paciência cautelosa e lenta que leva a caminhos teoricamente mais seguros mas adia e retarda o prazer incomensurável que é a realização de um sonho.

Passei a observar sistematicamente o progresso daquela obra de suave arquitetura e engenharia, que ia ganhando forma e estrutura cada vez mais definidas com o passar dos dias.

Tudo corria muito bem até que, a partir de um determinado ponto, observei que não existiam mais alterações naquela construção. Se fosse obra pública, eu diria que acabara-se a verba. Não era, e nos dias que se seguiram, fiquei esperando com ansiedade velada que meus novos vizinhos voltassem a labuta.

Já passaram-se mais de 2 meses e eles jamais retornaram.

Fico imaginando o que possa ter acontecido para interromper assim subitamente aquele projeto a dois. Teria um deles se apaixonado por outro que não o parceiro inicial?

Teriam achado melhor lugar para fixarem residência e disseminarem sua descendência?

Teria algum deles sido surpreendido pela morte?

Diante desta última e trágica - porém mais provável - hipótese, me vi obrigado a refazer meu julgamento inicial: Se assim se confirmasse a história, então eu julgara precipitadamente meus pequenos amigos, e na verdade talvez o que lhes tivesse faltado fosse exatamente aquela pressa irresponsável que acende, motiva e empurra a juventude. Assim sendo, também a exemplo dos homens, teriam ficado presos nas amarras inevitáveis da prudência, que impedem, por exemplo, a aproximação de um casal possível, o início de um determinado curso na faculdade, a realização de uma tão sonhada viagem, a aquisição daquela chácara, uma pescaria com os amigos ou a simples leitura de um certo livro que diariamente troca olhares com a gente, esquecido na poeira de uma estante qualquer. Essas amarras que nos fazem esquecer que o tempo não pára e jamais recua, e que amanhã pode ser demasiado tarde para o que hoje, se não é, deveria ser da maior urgência. Inúmeros projetos iniciados (ou não) e jamais concretizados.

Deixei lá o ninho inacabado. Não sei se para manter vivo este alerta em minha memória ou se porque, a exemplo dos jovens que acreditam sempre no futuro, ainda espero inconscientemente que aquelas doces criaturas voltem algum dia.

Tony
Enviado por Tony em 25/04/2005
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