Aniversário

Aniversário

Aos poucos todos foram chegando para o almoço no sábado. Em comum a mesma expressão um tanto forçada de satisfação, que mesmo sendo genuína, havia dificuldade em expressar. Uma prima sexagenária, convidada de última hora, chegou atrasada, e contrafeita, pediu que lhe emprestassem dinheiro trocado para o táxi.

A aniversariante foi abrindo os presentes, e começaram as brincadeiras sobre o uso ou utilidade de cada um. Formas familiares de esquentar o clima. Os risos ainda eram poucos se comparados a outros almoços na casa da nona, lembrou a prima.

A seguir, vieram os salgadinhos bem quentes, oferecidos pela dona da casa com jeito simpático, como a dizer: “eu sei algo de ti, mas pode deixar que para parentes desta casa só sai elogio”. Pergunta se querem esperar por Lucinha, sua primeira e até então única bisneta, xodó da família, para servir o almoço cujo cheiro já invade todas as dependências da casa e mesmo o quintal-jardim, repleto de flores, pequenas árvores frutíferas e temperos indispensáveis à culinária italiana.

Com a demora da última família, os convidados foram aderindo aos petiscos junto com cerveja ou coca light, mas sem deixar de bebericar em um mesmo copo um vinho muito especial, que passou de mão em mão. Para provar e ver se querem este

para o almoço, disse o nono. A prima, sempre por fora, perguntou ao avô paulista, há

muitos anos já aculturado às brincadeiras dos “italianos”, se dava para provar mais algum, e ele malicioso, respondeu: se este é o melhor, para que então pedir outro?

Uma sobrinha, que veio direta do trabalho, foi logo cercada pela ala feminina que queria notícias da filha, grávida pela primeira vez e a conversa descambou para o excesso de trabalho das mulheres atuais e problemas corriqueiros ou não, com as domésticas. “Ela vai ter que aprender como eu tive que”, argumentou. “Quando meu neto nascer, sim, posso dar apoio que somos todas ´mama´ italianas, mas com a casa não! As mulheres hoje não querem se envolver com cozinha e outros problemas, só pensam na carreira e de repente lembram de ser mães!” Argumentou ainda, que quando a teve, estava com vinte e dois anos. E com o marido fazendo pós no estrangeiro, aprendeu a se virar sem a moleza de dispor de empregada doméstica como no Brasil!

A conversa não atraía a tal prima sexagenária, sem família, então ela partiu para outro grupo, o dos filhos destas senhoras que pareciam se divertir muito à frente da televisão. Com sua chegada, todos levantaram como uma revoada de pássaros, mas conseguiu ouvir o resto da uma piada sobre alguém que soltara um pum. Fica contrafeita, notando que formam outro grupo em volta do nono nas cadeiras do quintal, sob o sol da primavera.

Mais bebidas e petiscos são servidos, e eis que chega a família da bisneta que vem no colo da mãe, embora já tenha quase três anos. Todos se precipitam, mas Lucinha nem aí! O que causa estranheza pois sempre é muito social, mas a avó explica que com a chegada de um tio, que desistira de ser padre para morar com os avós, onde ela passa as tardes para que a mãe possa estudar, ficou muito arrisca e não quer saber de ninguém. Nem dos presentes que lhe trouxeram.

O almoço à italiana finalmente é servido, oferecendo frango, macarronada a bolognesa com muito queijo da colônia, legumes cozidos e saladas regadas a azeite e temperos frescos do quintal. Vem acompanhado de vinho à que todos aderem. As faces ficam coradas e risadas são o que mais se ouve.

Junto com sobremesas variadas, orgulho da dona da casa, surge o bolo do aniversário e cantam os tradicionais parabéns a você, com a bisneta escalada para apagar as velinhas. Precisa de ajuda, pois mesmo de pé numa cadeira não dá conta da tarefa de apagar mais de setenta velinhas!

A esta altura ela já está desinibida e conversando com todos, sobretudo ao distribuir convites para o “seu” aniversário, no sábado próximo. Ao se despedir, a prima vê finalmente a satisfação que já acostumou a encontrar, brilhando no rosto da família.

Marluiza
Enviado por Marluiza em 27/03/2006
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