O SURGIMENTO DE UM SOBRENOME

A LOMBA DA “SINHECA”

É possível que ainda existam pessoas que se refiram à lomba da Intertec, hoje Itcê, como Lomba da “Sinheca”. Sei, porém, que muita gente nos dias atuais não sabe da existência dessa lomba, tampouco onde ela está situada. É certo também que mesmo os que se referem à ela como Lomba da “Sinheca” não sabem do por quê de ser chamada assim. Todavia, antigamente, quero dizer há mais de trinta anos, quando éramos crianças, essa denominação era comum, pelo menos entre os moradores da circunvizinhança da referida lomba – os moradores da Vila Santo André, Bairro Pinheiro, Bairro Feitoria, São Cristóvão e Campestre. É bem provável que os mais antigos moradores da Lomba Grande ainda se refiram à lomba da Itcê como Lomba da “Sinheca”.

Na verdade, Lomba da “Sinheca” é a forma muito rústica como se formou essa denominação. É uma distorção do plural “dos”, mais “Inhecas”. Nessa distorção, o vocabulário popular passou o “S” do final da preposição “dos” para a frente do apelido “Inhecas”, deixando então “Sinheca”. Antes a preposição “dos” tinha passado para o feminino “das” quando a população posterior ao tempo em que se firmou o apelido entendeu que “Inhecas” tratava-se de um substantivo feminino. Todavia, não era feminino, pois era um apelido de família, que em tempos muito mais antigos poderia ter se tornado um sobrenome (ou nome de família) e ter sido registrado em cartório e tudo o mais.

Lomba dos “Inhecas”, como me refiro ainda hoje, tendo que explicar para muitos do que se trata, trata-se de uma das lombas mais acentuadas da avenida Feitoria, começando no arroio Krause e terminando após a delegacia de Polícia Civil, próximo à Madesandri.

Quando éramos pequenos, eu, minha irmã e meu irmão, costumávamos ver os carros empenhados naquela lomba, tentando vencer o barro para subi-la. Muitos desistiam, alguns ficavam de atravessado, outros com correntes nas rodas, alguns outros subiam de marcha à ré, outros eram rebocados por trator ou iam embora no dia seguinte e tudo o mais. Os ônibus e caminhões perdiam muito tempo para subi-la e nós, crianças, temíamos que não vencessem por causa da lotação sempre excessiva e disparassem de marcha a ré.

Em torno dos anos oitenta, porém, tudo melhorou. Uma das mãos da avenida fora calçada e até 1985 todo o trecho leopoldense da velha estrada da Lomba Grande já tinha sido asfaltado até a divisa com Novo Hamburgo.

Até 1996 estive equivocado quanto ao nome da lomba, pensando que “Sinhecas” tratava-se um nome formal de família, mas que não restavam em São Leopoldo seus descendentes. Todavia, por volta desse ano, ouvi uma de minhas tias falar dos “Inhecas” que moravam na rua mais de cima da Vila São Cristóvão, antiga Caída do Céu. Conheci então uma senhora humilde de sobrenome Rabello (um dos sobrenomes do meu avô paterno) remanescente dos “Inhecas”, que morava na referida rua. Sem saber que se tratavam dos “Inhecas”, por indicação de meu pai, tempos antes eu tinha feito amizade com um de seus filhos.

A dona Maria morava num lote ao lado do lote de seu irmão nessa vila. Quando conversei com ela, me disse que esses dois, mais o lote do outro lado, eram dos oito lotes que a prefeitura tinha dado aos “Inhecas” em troca das terras da Lomba dos “Inhecas”. Quando explicou a origem do apelido, contou que seus antepassados eram proprietários das terras onde hoje está o trecho da avenida Feitoria denominado Lomba dos “Inhecas”. Disse que o antepassado que veio a ser seu avô, pelo qual se originou o apelido, era muito rico, porém, ele, bem como todos os familiares, era analfabeto. Disse-me que, por ser rico, os arreios de seu cavalo eram sempre novos e, por isto sua montaria rangia, fazendo “inhec, inhec, inhec...”. Assim, quando, à noite, ele se aproximava com a montaria, as pessoas diziam: “Aí vem o “Inhec”.

Dessa forma nasceu o apelido “Inhec”, atribuído inicialmente somente a ele e, certamente à sua esposa, que, decerto ficou conhecida por mulher do “Inhec”. Depois seus filhos foram sendo conhecidos como filhos do “Inhec”, sendo que após adulto cada um passou a ser um “Inhec”. Então as pessoas se referiam a eles como “os ‘Inhecs’”. Mais tarde, os filhos desses já foram tratados como de origem dos “Inhecs”, passando a existir aí a expressão “dos Inhecs”. Todavia, em algum momento antes disso, na segunda geração dos vizinhos, o apelido de família tinha sido corrompido para “dos Sinheca”, pelo muito ouvir mal e pronunciar mal uma consoante que pede uma vogal no final da palavra, bem como pelo fato de “Sinheca” parecer mais com nome de gente do que “Inhec”.

Sendo assim, a trilha de carros-de-boi, montarias e pessoas que se formara junto à terra da família Rabello, então apelidada de “Inheca”, pela qual subia-se aquele morro, passou a ser chamada como referência de Lomba dos “Inhecas”. Isto num vocabulário mais elaborado, pois certamente que bem sedo passou mesmo a ser chamada de Lomba das “Sinheca”, pois é a forma mais provável como a populaça pronunciaria o plural “dos Inhecas”, como dizem “a sunha”, “o sóio” ou sólio”, “a soreia”, “o suvido”, etc..

Mais adiante, quando a prefeitura de São Leopoldo decidiu abrir a estrada para os carros autopropulsados, formando o que hoje é a avenida Feitoria, precisou de mais terras para ampliar a largura da antiga lomba, então foram negociar com os “Inhecas”, oferecendo por aquela vastidão de terras oito lotes em uma área da prefeitura, lugar onde a maioria da população tomou posse sem pagar nada.

Dona Maria me contou que quando se deram por conta do mau negócio que tinham feito era tarde, pois já tinham assinado os papéis com xis porque ninguém sabia ler nem escrever.