Babacas de Bukowski

Ontem lemos Bukowski no boteco.

Éramos seis. Nossos olhos brilhavam de forma diferente. Abríamos a esmo, em qualquer página. A realidade nos envaidecia. Deve ser bom, afinal, falar verdades.

Ficamos mais de quatro horas. Nem todas com ele.

Mesmo assim foi bom.

Verdades condensadas dilaceram diferente. Fechamos o livro e acreditamos encarcerá-las. Talvez, de fato, seja realmente assim.

Os babacas de Bukowski éramos nós. Éramos seis.

As iniciais bordadas nas camisas sociais nos entregavam. Assim como as gravatas de seda e os pernósticos ternos ‘super 120’.

Vamos até Caxias para comprá-los.

O dono do bar viu. Chama-se Marco. A mesa ao lado viu. Pareciam ser de um escritório de contabilidade. O vendedor de amendoins viu. Ainda era cedo pra ir embora.

- Mais duas cervejas pros babacas!

E ríamos de histórias que não estavam no livro. Mas poderiam estar. Nós, afinal, éramos o elenco. Todos, sem dúvida, éramos protagonistas daquela doce tragédia, tão bem redigida naquele pequeno livreto.

- Mais duas cervejas pros babacas!

A miserável condição humana nos fazia rir. Rir muito. Ríamos de nós mesmos. Sabíamos disso. Ríamos de nossas vidas, de nossas desculpas, do conjunto de nós. Do que sabíamos que não éramos.

Mas só ríamos. Babacas não são idiotas.

- Mais duas cervejas pros babacas!

É bom ter amigos.

Também pra rir deles. Pra rir do que riem. Pra que riam diante de nós. Temos medo do riso escondido.

Se a inveja nos afaga e o despeito nos alimenta, o riso que não ouvimos nos desvirtua e nos apequena.

Bukowski deveria ter sido Ministro da Educação. Se bem que do Turismo também seria divertido.

Fosse brasileiro e já seria estátua há muito tempo. Posto quatro. Bukowski é Copacabana.

Essa cidade precisava de alguém como ele. Uma pena.

Menos mal que a Marina Lima saiu do cenário. Tinha dúvidas sobre suas reais intenções.

Já nós não. Nunca seremos estátua. Nós somos apenas fotografias que se movimentam, como num filme. Um filme insosso. Queremos o que todos querem e isso basta como motivo. Somos estranhamente felizes dentro da programação da TV Globo.

Aceitamos discutir a novela desde que façamos ressalvas.

Não abrimos mão de ressalvas. Nunca.

Concordamos ou discordamos do comentarista político, achamos tudo um grande absurdo e temos carros novos. Temos medo de sermos vistos dentro deles, e mais medo ainda de não sermos vistos dentro deles.

Nenhum de nós come carne na sexta-feira santa. Damos nossa cota de sacrifício em bacalhau e camarão na moranga.

Amém.

Não sabemos mais o que fazer com nossos políticos, e também não sabemos pra onde ir nas férias, desde que a dúvida recaia no litoral sul da Bahia.

É que gostamos de verde, e de liberdade com caipirinha de frutas exóticas.

Pagamos bem, se necessário.

Achamos graça no Pedro Cardoso e temos raiva do Faustão. Somos pessoas normais.

- Mais duas cervejas pros babacas! E a conta!

Combinamos um almoço no japonês no dia seguinte. E no outro. E falamos de festa porque não somos de ferro.

Antes fôssemos. Homens de ferro. Criaria algum impacto antes da ferrugem. Moramos próximo ao mar e enxergamos além dele. Conhecemos a Europa e a América, mas perdemos a bússola quando alguém que nos serve café com bolachas nos diz o que aconteceu na véspera em Imbariê ou Inhoaíba.

- A saideira dos babacas! Uma só!

Enquanto juntamos nossas moedas e caprichamos na gorjeta, arrumamos tempo para falar sobre o último filme imperdível em cartaz. Somos cultos. Cada um à sua maneira.

Excelentes colégios nos fizeram assim.

Elogiamos a bunda da Deborah Secco, apontamos sugestões para o sotaque do Lázaro Ramos, mas somos incapazes de comentar a atuação de qualquer dos figurantes.

É que não gostamos de falar de nós mesmos.

Mas ontem lemos Bukowski. Rimos um bocado.

E hoje acordamos com muita dor de cabeça.
Gustaalbuquerque
Enviado por Gustaalbuquerque em 25/11/2008
Reeditado em 25/11/2008
Código do texto: T1302728
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