Mutucas não nos dizem nada


Fui picado por uma mutuca.

Não espero que tenham piedade. Não é mesmo para ter. Dizem que ela deixa alguma coisa dentro de nossa pele. Ovos prontos para eclodir. Viram algo que vai crescendo e passa a andar por dentro de nosso corpo. Ainda não está nesse estágio. Nem sei se a mutuca era macho ou fêmea.

Sei que era verde. E ficou me olhando com olhos maiores do que cabiam naquele corpo asqueroso.

Um sinal, provavelmente. Pobres daqueles que não enxergam sinais. Levam a vida de uma rua à outra sem ligar para obviedades que lhes cruzam os caminhos, escancarando realidades que não são nem vistas nem intuídas.

Para eles, desde que cheguem ao Mac Donald´s e possam escolher um número de um a oito, está bom.

- Sete.

 Não precisa falar mais nada. Em segundos um pedaço de carne qualquer aparece dentro de um sanduíche enfeitado.

Meu Deus. Onde andam as mutucas?

No Big Mac certamente não estão.

Nem nas novelas.

Sei disso porque ouvi o comentário de duas meninas no elevador. Cinco, dez minutos atrás.

- Viu a fulana? Vai matar o beltrano na próxima semana.

- Vi, menina, que coisa. Acho que será no capítulo da sexta. Só pra atrapalhar nossa noitada. Já falei pro Fabinho: não vai rolar de ir no aniversário do Roberto na sexta.

- Pois é. Não dá pra perder. Quero só ver a cara da mulher dele. Vai ficar passada. A sicrana ta trabalhando muito, né não? Show.

- Ela é muito boa, né?

- Eu desço aqui. Depois te ligo.

- Liga sim que eu quero contar o que o Fabinho disse sobre aquela menina da faculdade. Menina... É de cair o queixo.

Coitado do Fabinho.

E do ascensorista. É a pior profissão do mundo. Eu não conseguiria levar um elevador no centro do Rio nem por dois andares. Apertaria a emergência e simularia um ataque epilético.

Há de se fazer poesia.

Antes que a última menina descesse, ainda olhei para a pasta que carregava: Claudete da Silva x Banco Itaú. Não sei o que senti. Juro que não sei.

Há poesia, vida em ebulição em cada canto desta cidade. E de outras também.

 - Rio de Janeiro, meu velho, sejamos justos!

Qualquer bar, por pior que seja, tem sua cachoeira poética. Qualquer cruzamento, qualquer mendicância, qualquer estelionatário. Qualquer porra.

Mas preferem assistir a poesia regravada, requentada, maquiada, manipulada, das novelas. São os mesmos que pedem comida pelo número. E que enchem a boca para dizer que o Rio de Janeiro está cada vez mais violento.

Quais serão os sinais capazes de tirar essa gente da letargia? Da miséria?

Boca de siri. Se soubesse, não contaria. Se souberes, também não conte. Não vamos tumultuar.

Ao contrário, articulemos nosso apoio!

- Vejam suas novelas! Comprem suas lasanhas congeladas! Escutem as músicas que eles colocam nas rádios! O Brasil é o país do Futuro!

Vou gritar pela minha janela, prometo. Gritarei com o auxílio de um megafone, se preciso. Estarei a postos no primeiro sinal de que as vidas mudarão.

Prometo sair com faixas pela Presidente Vargas.

- Precisamos de mais micaretas! Ou então, quem sabe: - Reage, Rio!

Por mim, não muda nada, continua tudo como está. É bem mais fácil assim.

Viver em estado catatônico é a melhor coisa que se pode almejar. Faça você o teste. Coragem.

Com cinco frases você pode ser considerado uma boa pessoa. Se vestir boas roupas, então, subirá alguns degraus.

Se falar dez frases, num português escorreito, tratar-se-á de um verdadeiro gênio.

E não é nada tão complexo assim. Reparem..

- Acho que o tempo hoje muda, hein? Que sobriedade. Dependendo do sotaque e da entonação, é capaz de te pedirem dinheiro. Acautele-se.

- Bom dia! Você está tão bem. Namorado novo? Serve até como cantada.

- Vamos naquele, hoje? O tempero da cheff tem melhorado sensivelmente. Meio pernóstico, mas funcional.

- Olha, concordo com seu ponto de vista. É tudo realmente tão complexo que o melhor que podemos fazer é beber! Um viés mais direto.

- Queria dizer que sem vocês eu não sou nada! O toque final – Midas! A prova maior da interação entre iguais.

Beijem e abracem-se.

Comemorem o mundo dos iguais, do ‘todos iguais’. Programem-se lendo ‘O Globo’, assistam Homem Aranha 5. Peçam mais manteiga na pipoca. E nunca, em hipótese alguma, deixem de perguntar se o peixe que servem no La Mole está fresco.

- Fresquinho, senhor.

Isso é Bach. Peçam em sol maior. E depois em si bemol.

Que se fodam os sinais. A Bíblia foi escrita há uma eternidade e até agora esperamos as sete trombetas.

Chuva de gafanhotos? Cheiro de enxofre? Besta do apocalipse?

João era muito doido.

Jorge Benjor também é e fez algum dinheiro. Até aí, nada.

Deixemos as coisas assim.

Qual será a próxima capa da Playboy? Quem ganhará o próximo BBB? Onde anda Kleber Bambam? Qual o nome da capital de Malta? Qual o segredo de Lost? Quem descobriu o Brasil?

Vamos vivendo assim. É mais seguro. E muito mais divertido.

Prometo que continuo saindo de terno pra trabalhar. Quem sabe não nos encontramos na praia? Ou esperando que o sinal da Visconde de Pirajá volte a brilhar em verde? Sinais como esses é que nos interessam.

Se isso acontecer – viva! - saiba que não estarei contrariado.

Depois falamos mais. Quero que me conte do capítulo da próxima sexta, ta?

Agora vou indo. Acho que alguns ovos eclodiram.

Gustaalbuquerque
Enviado por Gustaalbuquerque em 26/11/2008
Código do texto: T1304548
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