Dia molhado

Todo dia a gente sai com um propósito de casa. Meu propósito, ontem, era chegar sequinha no trabalho. É que estava chovendo. Chuva de fim de inverno é forte, pra gente lembrar até o próximo ano como foi o inverno.

Saltei do ônibus e nem acreditei no que estava vendo: uma parede branca de água alguns metros do meu nariz. Não dava para ver nada depois dessa parede. Mas eu ia chegar seca no trabalho, era um propósito.

Fui pensando nisso o caminho todo. Tomei cuidado com cada poça, cada falso passeio (daqueles que parecem firmes, mas são lama pura, cada motorista fdp que sente prazer em acelerar onde tem mais água e levantar uma onda. Passa uma rua, passa outra, e cada hora está mais difícil sair do passeio e pisar em outro. Como se minhas pernas tivessem encolhido com o tempo frio.

E lá vai eu, tomando cuidado com tudo. Sentia-me estranha. Não dei atenção, achei que era por causa do chuva, da apreensão. A chuva ia passando e eu ia sentindo mais frio. E a esquisitice aumentava. Parecia que eu estava perdida, meio folgada no mundo. Esqueci de botar o cinto. Não apertei ainda todas as minhas roupas. Estava com uma calça folgada e arrastava no chão, absorvendo a água toda. Já estava molhada até os joelhos quase.

Perdi meu bom humor. Perdi a concentração. Pisei numa poça. Meu pé direito ficou molhado. Andei chateada sem olhar para frente. A rua estava sem saída de tanta água. Queria voltar: vinha um carro. Comecei a rezar para o motorista não ser dos 'da onda'.

Ele veio devagar, no sentido contrário um grupo de estudantes descalços e ensopados, sorriam de tudo. Como se tivessem tomado uma chuva hilariante. Lembro de uma chuva dessas que fiquei sob o mesmo efeito. A vontade era de fazer o mesmo: botar o sapato na mão, fechar a sombrinha e me divertir chutando as poças de água.

Saí ilesa do carro, agora o difícil era achar um caminho moderadamente seco para a faculdade. Toda rua que eu tentava, estava alaga da. Andava, vendo alagado, voltava. Andava para outro sentido, via ultra-alagado, voltava. Andava para ponto inicial, correnteza vindo porque é ladeira, voltava. Estava quase ilhada. Resolvi fazer uma rota arriscada, aliás a única possível: sair na avenida onde os carros passavam voando, desafiando as ondas e entrar duas ruas depois em direção a faculdade.

Passei sebo nas canelas molhadas e entrei. Obrigada a ir pela parte mais alta, pelo meio da rua, cruzando os dedos para estar seco na entrada. Se meu palpite estivesse errado, teria de voltar tudo de novo. Como a meta de chegar seca já era, esses 80% seca eu pretendia manter. Minha alegria foi tão grande quando vi que dava para arriscar um pulo da rua e pisar no passeio que quase grito: "Teeeeeeeeeerra a vista!".

Algumas horas depois, com a calça já seca, uma funcionária pergunta um site bom para pegar fotos. Meu colega diz: www.webshots.com e saiu. Permaneço na sala digitando um material (aquelas folhas tinham algum mistério, a cada uma que eu digitava e tirava do bolo, apareciam mais dez atrás! Custou terminar aquilo...) e ela vira para mim e pergunta: Andréa, você gravou o nome do site que Claudemir falou? Eu soletrando: w-e-b-s-h-o-t-s-.-c-o-m.

"Ai meu Deus! Fecha isso aqui! Que horror!" Eu pasma do outro lado da sala sem entender direito. Risadas das outras pessoas, olhares maliciosos para mim. Fui ver de perto. A mulher colocou wetshots.com. Curiosa coincidência: o site não só existe, como é de fotografia. Um T em vez de um B fez toda a diferença para o enfoque fotográfico.

Foi o dia dos molhados. Eu e o site. Wet. Deixo agora livre a sua imaginação para advinhar o que está molhado nesse site. E não são as calças de ninguém, aliás o que não tem lá é ninguém de calça.