O abismo é sólido

Passa o caminhão cargueiro com sua alta velocidade avançando todos os sinais... O ano que passou não foi assim pesado, não foi assim leve, não tinha velocímetro nem sequer volante. Mas teve seus sinais vermelhos. Um vermelho esverdeado.

Passa o carnaval com o seu não-tempo...

Passa a Páscoa com o chocolate desviando a atenção do dono da festa...

Passa o Dia das Mães, que só querem “beijim”, enquanto o comércio anda atrás de “dindin”...

Passa a Festa Junina, Julina, Agostina (!), tocando (ao menos aqui no Rio) de funk a hip-hop, mas quanto ao padre pra celebrar o casório acho que vou fazer um cartaz de “procura-se”...

Passa o Dia dos Pais e a carteira dos homenageados muitas vezes se presenteia...

Passa o dia 12/10 e por dois meses o comércio vira criança...

Passa o Natal e novamente, em muitas casas, o dono da festa perde pro consumismo.

Passando por tudo isso num ritmo desenfreado, será que deu pra pensar num muro como trampolim? Ou num abismo como algo sólido? Com esta última, podem pensar: “Pronto, enlouqueceu...” Não, ainda não foi dessa vez... A questão é que, assim como aquele caminhão, a alta velocidade do mundo, bem como a necessidade cega de consumo, muitas vezes não tem permitido que as pessoas percebam os “sinais vermelho-esverdeados”. Aquele não que, na verdade, é sim.

Experimente encontrar alguém que tenha sido demitido de um alto cargo numa grande empresa, tenha passado meses no fundo do poço e, mais tarde, tenha resolvido se aventurar em outras habilidades e tenha alcançado o sucesso por conta disso. Pergunte a essa pessoa se o abismo pode ou não ser sólido.

Passa o tempo com seus ponteiros que não param... A pessoa que os via não era assim rápida, nem era assim devagar... Não tinha exatidão de números, nem era chegada a andar em círculos... Mas uma hora seus ponteiros pararam... Estavam cansados de apontar pra trás.

Um abismo não se solidifica sozinho, um muro não vira trampolim sem que se pule em cima dele. Um ano não vale as quatro estações sem que você tenha se espetado numa roseira e se extasiado com seu néctar, se queimado com sol e recebido o sopro da lua, se descabelado por causa de uma folha cadente e brincado com ela, se arrepiado de frio e ganhado um aconchego (não necessariamente tudo isso, não necessariamente nessa ordem).

Tantas são as formas de se fazer do avesso um começo. Mas como podem os ponteiros biológicos resistirem impunemente a essa cadência insana do mundo atual?

28 de Novembro de 2008,

Ana Helena Ribeiro Tavares

Ana Helena Tavares
Enviado por Ana Helena Tavares em 28/11/2008
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