Preciosidades

Estava sentado sobre os calcanhares e procurava por alguma coisa no meio da grama rala que crescia entre a calçada e o asfalto. Usava uma calça jeans imunda, manchada e fedorenta, uma blusa relaxada e velha e tinha os cabelos inacreditavelmente ensebados. Continuou lá, revirando a grama e esquadrinhando a porta do bar. As pessoas passavam e nem lhe davam atenção, aliás, davam-lhe, mas uma atenção enojada, cheia de repugnância, que, se pudesse, estaria apontando e gargalhando, sem agüentar-se de pé. Isso não lhe importava, já havia se acostumado com esse tipo de olhar, com esse lugar. Nada perturbaria seu empenho em encontrar suas preciosidades. Uma de suas mãos já estava cheia delas, umas quatro ou cinco, talvez seis. Aquele seria um grande dia e já era o bastante, senão seria um dia grande demais, maior do que poderia suportar.

Levantou-se e atravessou a rua com um meio sorriso de expectativa nos lábios. Veio na minha direção e eu rezei para que, em algum momento, decidisse mudar de destino. Parou a um passo de mim, como se tivesse medo de aproximar-se mais. “Você tem fogo?”, e fez um gesto de alguém que está acendendo um cigarro com um isqueiro. Peguei meu isqueiro e, por sua vez, ele abriu a mão cuidadosamente e escolheu entre as seis bitucas de cigarro que havia acabado de encontrar, aquela que aparentemente renderia o trago mais longo e saboroso, pelo menos um resto de alguma vida de verdade.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 30/11/2008
Reeditado em 30/11/2008
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