Avenida Ivaí - Lições de Vida

Era uma via sinuosa. As curvas que ainda existem são um arremedo das que envenenavam os ébrios daquela época. Só não se machucavam mais porque o regato corria desnudo e os acolhia em suas águas barrentas. Daquele riachinho saiu também muito da areia que foi usada para construir as primeiras moradias. Para os alicerces, não faltaram suprimentos das pedreiras dos arredores. Lembro-me de alguns moradores queimando pneus para facilitar a quebra das rochas. Eram tempos em que a convivência entre as pessoas tinha um caráter amigável e civilizado.

De todos que por ali moravam, aquele que se destacava era o Sr. Agabísio. Ele e sua mulher, a D. Lourdes, cuidavam de uma prole enorme para os padrões de hoje. Tinham também a determinação, o amor pela vida, o caráter e o espírito de comunidade que faziam com que a vizinhança os adotasse como seus melhores amigos. O Sr. Agabísio sempre foi um empreendedor. Apesar da pouca escolaridade, não tinha sequer o quarto ano de grupo, chegou a ser gerente dos correios e abriu várias agências daquela autarquia pelo interior do estado. Nunca fugiu à responsabilidade, indo de encontro aos problemas que apareciam na sua vida e na dos filhos e amigos.

O salário ganho nos correios era insuficiente para manter a família e por isso trabalhava nos finais de semana. Com esse trabalho, ele introduziu em Belo Horizonte o hábito de consumir frango branco. Essa alternativa ao frango caipira exigia uma técnica especial de preparo. Assim, enquanto o Sr. Agabísio vendia, D. Lourdes ensinava como preparar o bicho.

Outra qualidade inerente ao ilustre morador da avenida era seu profundo senso social. Conta-se que o prefeito à época, o Sr. Aminthas de Barros, foi convidado para ver, no local, a poeira que tomava conta da via em dias secos e que virava lama nos dias chuvosos. Foi combinada uma data. Naquele dia, uma comitiva foi organizada para receber o mandatário municipal. Qual não foi a surpresa ao se perceber, depois de um bom punhado de tempo, que a personalidade ilustre não mais iria.

O Sr. Agabísio não teve dúvidas de que tinha de fazer algo. A comunidade fora desrespeitada! Sendo assim, logo no dia seguinte, o cidadão encheu um pacote da poeira da avenida Ivaí, dirigiu-se à prefeitura e pediu uma audiência. Ao ser recebido, ato contínuo, derramou a poeira sobre a mesa da autoridade e disse:

- Já que o Sr. não pôde ir ver a poeira que somos obrigados a tolerar, trouxe uma amostra para Vossa Excelência. O fato é que pouco tempo depois as obras de asfaltamento começaram.

Benedito de Castro