Você deixa eu terminar de falar?

Por que as pessoas não nos deixam concluir o que estamos falando? Impressionante como o mundo está cheio de gente impaciente, que têm o falador bem perto da boca e o escutador bem longe dos ouvidos. Eu fico indignado quando estou falando e ficam me interrompendo, interrompendo, o tempo todo, que coisa! Normalmente sou muito calmo e até por isso preciso escrever para fazer a catarse. Bom mesmo é escrever. Imagino que você também tem essa revolta queimando seu coração, por isso acredito que você vai ler até o fim, sem querer me interromper. Este escrito é um convite para que, juntos, possamos combater os terríveis inimigos da conclusão do pensamento. Vamos analisá-los, tentar enfraquecê-los, e estimulá-los a desenvolver bons ouvidos.

São vários os tipos encontrados na militância interruptora da fala, consigo identificar alguns, embora existam outros tantos por aí. Na primeira categoria estão os cricris. Estes são os que gostam de ficar explorando detalhes inúteis, sugerindo um outro termo, mesmo já tendo entendido o que queremos dizer, exigindo uma vírgula, um ponto ou um til a mais ou a menos na nossa fala. Picuinhas que não acrescentam absolutamente nada, irrelevantes, mas os caras têm que interromper o que estamos falando só para encher o saco. Outro dia estava conversando informalmente com uma turma de amigos e um penetra do exército adversário veio do mundo das trevas para ficar barrando a minha fala. Eu dizia efusivamente:

- ...O local era escuro e ermo. Para piorar, naquele momento o meu carro enguiçou e, apavorado, vi ...

- Um momento, defina “enguiçou” . Interrompeu o energúmeno.

Ora, “defina enguiçou”. Já pensou? Desculpe se, por acaso, fiz seu estoque de palavrões saltarem à memória. Mas é muito mané um sujeito desses! A história estava atingindo seu clímax e tenho que parar para explicar o enguiço do carro. Que importa se foi a grampola que aqueceu e ou se foi a parafuseta que sacou? Me poupe! Sugiro um castigo cearense: Quinze minutos de arre-égua para o safado. Vamos lá, todo mundo a uma só voz “arre-égua, arre-égua, arre-égua.....”

Outro tipo é o sabichão. Sua missão é desconstruir o nosso pensamento antes mesmo expô-lo totalmente. Quase sempre começam com: “A questão não é essa...” ou “Isso não tem nada a ver com o que estamos falando...”. quando não se contentam, atiram um: “bobagem, isso é muito infantil...” Se nos deixassem falar primeiro talvez até nós mesmos concordássemos com alguma observação dessas, mas antes de concluirmos irrita do joanete à calvície. Esses sabichões acham que, o que eles têm para falar, sempre é mais importante do que têm para ouvir. Como castigo sentencio a passar três meses sem comer rapadura.

Encontramos também o tipo comediante. São aqueles malas que ficam se intrometendo nas nossas conversas para fazer piadinhas, deboches, sarcasmos. São umas pestes. Às vezes estamos numa conversa séria, precisando tratar um assunto importante e urgente e os palhaços preferem perder os amigos mas nunca a piada. Não estou querendo ser chato, não é a questão de sermos sisudos e não saber tratar os problemas com bom humor, não é isso. Eu falo do inconveniente, que não respeita as pessoas e nem os momentos. Alguns não passam de bobos da corte, outros “se acham”, e ridicularizam sem dó os que estão na vez de falar. Certo dia, meu filho estava fazendo uma seleção para uma universidade estrangeira. Era uma prova oral de inglês, quando pediram para ele comentar sobre algum evento importante para o mundo, ocorrido nos últimos vinte anos. Ele começou dizendo “O dia do meu aniversário é...” ai os gringos interromperam, caíram na risada, debocharam o quanto puderam. “O dia do seu aniversário realmente foi o maior acontecimento mundial nesses últimos vinte anos”. Depois de sacanearem bastante se fez silêncio e o meu garoto continuou de onde tinha sido forçado a parar. Falando em um tom sério disse: “O dia do meu aniversário é 11 de setembro...” e a partir daí fez um discurso agudo sobre o conhecido atentado nos Estados Unidos. Engoliram as risadas. Babacas. Meu castigo? Vamos aumentar os impostos na exportação de rede.

Eu tinha mais coisa para falar, mas você fica me interrompendo.

Vai, fala você.