O ENGOLIDOR DE SAPOS

O ENGOLIDOR DE SAPOS

-Acorda Amparo!Tá na hora de ir pro trabaio.Êta home durminhoco.Assim num dá meu querido, vê se toma jeito.

-Só mais um pouquinho, dispôs eu vô, inda é muito cedo.

Todos os dias eram assim, antes da sua ablução, ouvia quase sempre calado, nada respondia a sua esposa. Para ele, ela estava sempre com a razão. Chegava sempre atrasado no emprego, os colegas de repartição já estavam acostumados com isso. Tanto é que só iniciavam o trabalho quando ele aparecia. A comunidade que esperasse, nada era mais importante que esse ritual dos colegas. Seu corpo franzino denunciava a fragilidade de sua personalidade,raras vezes isso acontece,sabe-se que a proporcionalidade é enganosa, mas no caso dele, o óbvio era mais do que evidente. Ele nem percebia as chacotas de todos a sua volta, encarava com naturalidade as brincadeiras que lhe impunham.

O chefe do setor volta e meia dizia-lhe que as coisas mudariam na empresa. Era a forma como ele se referia ao órgão público. Pobre coitado, mal sabe da morosidade e descaso com as coisas públicas, mas chefe tem que mostrar serviço, afinal foi indicado e chefe é um cargo de confiança. A copeira do local apiedava-se do jovem Amparo, sempre solícita oferecia-lhe café. Jamais lançou algum gracejo para ele. Ninguém sabia a razão de tanto zelo para com alguém.

-O senhor aceita mais um cafezinho seu Amparo?

-Claro dona Guiomar, por gentileza.

-Como vai sua família?

-A mesma coisa de sempre, obrigado pela preocupação.

-E aí Ampa, (esse era o código dos amigos para ele (Ampa = anta)) já fez o que te mandei.

-Tá bem,daqui a pouco eu te entrego,desculpai.

-Puxa vida, como é que o senhor agüenta esse tipo de tratamento, ele não é o chefe e isso nem é jeito de tratar um colega de profissão.

-Calma dona Guiomar, já tô acostumado, sempre foi assim em qualquer lugar. Quem nasceu pra cavalo, nunca chega a cavaleiro.

-Coitado meu filho, num gosto ver fazerem isso contigo, reaja!!

Dona Guiomar não sabia que a natureza dele era assim, não tinha culpa de ter nascido assim. ”Quem muito abaixa, mostra a bunda”. Para ele não havia remédio, já se conformara com todos tratando-o dessa forma. Como fugir a sua própria natureza?Poderia ele mudar sua vida, assumir uma nova personalidade?Missão quase impossível para ele. Esquecera que nem tudo está perdido, sempre existe um caminho a seguir. Mas como?”Pimenta nos olhos dos outros é refresco.” Sempre se dá palpite na vida alheia, difícil é viver essa mesma vida. Seria diferente?A respiração dele já não estava mais a mesma, o ar lhe sufocava. A tristeza era evidente em seu semblante.

Dona Guiomar, uma senhora de quase cinqüenta anos, sabia como ajudá-lo,pelo menos imaginava uma saída para ele.Segundo ela,ele nunca ouvira uma palavra de incentivo e só palavras por mais fortes que parecessem poderiam não ser suficientes.

O dia terminou como de costume para os colegas e também para ele ,o último a sair da repartição.Chegou em casa e mulher o recebera do mesmo jeito.

-Por que demorou tanto?Isso não é hora de chegar em casa!!

Uma lágrima desceu em seu rosto. A humilhação constante demolira seus nervos, brio não possuía. Sangue de baratas , coitada delas, não têm culpa dele ser assim.A saída parecia improvável e por onde menos se espera,às vezes uma luz aparece.Estava assistindo televisão ,sua mais fiel companheira,quando viu um documentário sobre condor.Aves que habitam as cordilheiras dos Andes e que representam um ideal de liberdade.A beleza delas o fez pensar em sua vida.Precisava voar,ganhar liberdade.Cansou de engolir sapos a vida toda.O arco-íris deveria surgir no dia seguinte.Foi deitar e ao ficar estirado na cama,a mulher estranhou o fato de ele não procurá-la naquela noite e ao menor esboço,percebeu que o olhar dele estava diferente.Um princípio de mudança estava a caminho.Engolir sapos era inevitável,mas seria menos a cada dia,até que sua alma se livrasse de tamanho senão. Engolindo sapos ficam as pessoas nessa vida afora ,não é mesmo?O seu menor esboço de pensamento prova isso.

LÉO VINCEY
Enviado por LÉO VINCEY em 03/12/2008
Código do texto: T1317368
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