CARTA DO EXÍLIO

Andaluzia, um dia qualquer no futuro

Meu caro amigo,

Escrevo-lhe do exílio.

As coisas por aqui não andam nada fáceis.

Os tempos são de cautela e caldo de galinha – como se dizia nos velhos tempos.

Alguns valores inverteram-se outros foram suprimidos. Olha só! Ser honesto agora é qualidade!

E não se falam mais em ética, esse conceito que soa tão caro!

Outrora, os tempos eram de generais. Hoje são de generalidades. E não há mais jogo de palavras ou palavras com duplo sentido. As palavras de verdade viraram pó na esteira do tempo. A escória protege-se por hábeas corpus e hábeis advogados de rapina.

Discursos imediatistas e líderes populistas.

Dizem que aqui é o país do futuro. Lugar de um povo sem memória, sem rosto e sem raiz. Já nem se lembram mais de como se faz um país.

Este é um lugar que some da lembrança quando se fecham os olhos.

Às vezes, sinto-me como Édipo: ele não se cegou por punição, mas por excesso de informação.

De que me servem as manchetes do dia? De que adiantam links e atalhos que não levam a lugar algum?

A memória dos dias felizes é como um porta-retratos vazio.

Antes, sabíamos exatamente quem era o inimigo. Ele vestia farda e governava com mão de ferro e atos institucionais. Hoje sabemos que o inimigo continua lá, poderoso como nunca, travestido de terno-e-gravata e muitas vezes, governando por medidas provisórias

Meu caro amigo, acho que perdemos o trem da história. E como achismo não se enquadra em qualquer linha de pensamento pós-socrático nem numa estética de vanguarda, talvez Oswald, Mário, Sérgio Buarque e tantos outros, tivessem de fato razão.

Este é o lugar que precisa ser reinventado. Urgentemente.

Quando foi que nos sentimos donos desse lugar?

A cordialidade do homem tropical é seu atestado de insanidade moral e seu prenúncio de derrocada civil.

A bem da verdade, estou decepcionado com o rumo que as coisas estão tomando.

Precisamos tomar cuidado. Atrás do líder populista, que promete a redenção, tem sempre a sombra de um ditador.

Quero voltar, mas tenho medo. Não sei mais em quem confiar.

Só restou você. E a música do Chico.

E olha que já é bastante.

Sempre seu,

Fulano de Tal

Wallace Puosso

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Wallace Puosso
Enviado por Wallace Puosso em 01/04/2006
Reeditado em 13/04/2009
Código do texto: T132054
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