DETALHES DE UM PÔR DO SOL

Não consigo precisar onde vi este título. Sei que foi de um livro. Desejo que a obra tenha vendido bem e que o seu autor esteja feliz e gozando de boa saúde. Quem reflete sobre as minúcias de um pôr do sol tem coração nobre e merece de mim, no mínimo, sentidas considerações.

Coisa interessante é como, na correria insana e necessária do cotidiano, não nos atentamos para a simplicidade de um pôr do sol. Por ser um evento diário e acessível a todos, esse ungido instante que separa o dia da noite acaba tornando-se nada mais do que restos de uma jornada ou, na mais poética hipótese, trapos intermediários para nos distrair, enquanto esperamos a chegada da noite, com seus recreios e sua mansidão, quase um aconchego calmo.

Como sou um metafísico animal sensível, aproveito para registrar que covardemente tenho assistido a poucos, pouquíssimos espetáculos do pôr do sol. Às vezes não tenha tido tempo de achar bela essa nova cor que gruda na paisagem e, em rápidos minutos se desmancha, alertando-nos para uma nova realidade. Durante um pôr do sol não se faz nem se desfaz planos. O tempo para projetos é insuficiente e a alma acha desperdício gastar aquela breve eternidade pensando o que podemos ser. É no exato momento do crepúsculo o momento da imortalidade, de sermos o melhor de nós, fortes como o último sonho da véspera.

Os namorados falam pouco sobre o pôr do sol. Temem ser traídos pela beleza soberana do momento. Cada minuto do pôr do sol carrega uma nova forma de sentir esperança. Dá à liberdade convencional uma outra forma de sentido. Mora aí o medo dos namorados: o de serem eternizados naquele momento, serem chamados para uma manjedoura celeste, onde o beijo humano conhece uma hierarquia superior de sensações e fica desnecessário.

É feliz a cidade que possui um lago, um sereno e grande lago, onde o pôr do sol pode, depois de ofertar alento às almas aflitas, ir dormindo devagar, tão devagar que chega a parecer que é por obra de alguma forma de perenidade, algo permanente da paisagem. O sol de põe não como algo que morre ou se despede. Põe-se como um guerreiro recolhendo sua espada no último dia da guerra.

Durante um pôr do sol não há divisão de homens. Todos eles são apenas um. Não há o discernimento pela cor das tantas peles que inventamos para justificar a nossa necessidade de tribunal. Não há lei que impeça o pôr do sol de ser para os fortes o momento da dúvida e para os fracos o tímido fiapo de crença no amanhã.

Confesso que não sou exatamente um colecionador de momentos ao pôr do sol. Tenho apenas um coração eternamente em crepúsculo. Um coração que sonha com uma humanidade que peregrine ao menos uma vez na vida a uma imaginária montanha, para assistir com calma e sem pretensão de entendimento, ao mais simples pôr do sol. Confesso, e não temo por isso, que sonho em me despedir desta matéria humana no mais exato instante de divisão entre o dia e a noite. No mais exato momento em que se misturam o claro e o escuro, fundem-se as verdades e, por milagre diário do crepúsculo, nascem cheias de vida novas formas de esperança.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 06/12/2008
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