MUDANÇA DE IDÉIA REPENTINA

Era quase meio-dia quando saí de casa para buscar minha filha na escola. Logo que subi a rampa da vila, percebi que havia um monte de folhetos pendurados nos medidores de energia. Curioso, resolvi pegar um e ler o conteúdo. Era propaganda de jazigos perpétuos num cemitério aqui próximo.

O folheto era bem feito, colorido, com diversas fotos do lugar. Senti que a intenção do anunciante era passar uma imagem de paz e tranqüilidade. Grande área verde, jazigos no meio da grama com apenas uma lápide aparecendo. Tudo bem comportado e sóbrio.

Atirei o folheto longe e arranquei todos os que estavam pendurados nos outros medidores. Pensei comigo, em que época vivemos! Querem que planejemos até mesmo nossa morte? Ora, quando ela vier que nossos parentes se virem com os funerais, não foi sempre assim? Não funcionou sempre desta maneira?

Não, não tenho planos de morrer agora. Talvez somente depois de 2050. E não vou gastar meu dinheiro com jazigos. Mesmo com toda a variedade de túmulos disponíveis nenhum me atraiu. Havia o modelo standart, o duplex e o nobre e ainda poderia ser financiado em até 24 vezes.

E o melhor de tudo, não havia carência! Eu podia fechar os olhos agora que meu enterro estaria garantido. Bem, com todas essas facilidades por que não pensar? Afinal, a única certeza que temos é que esta vida um dia terá seu final, por que sacanear os parentes?

Pensei em tudo isso enquanto estava indo para a escola. O sol do meio-dia estava rachando o coco, então pensei que exposto àquela radiação solar teria grandes chances de contrair um câncer de pele. Que em muitos casos é mortal.

Ao atravessar uma rua, por pouco um carro não me pegou, foi mesmo por uma fração de segundo, mais um pouco eu estaria debaixo das rodas do carro, morto. E pior, sem meu jazigo particular para descansar pela eternidade.

Mais adiante, vejo viaturas e mais carros da polícia correndo atrás de outro automóvel. Foi tiro pra todo lado. Dei o azar de estar na rua bem na hora que a polícia conseguiu encurralar os bandidos, fiquei no meio do tiro cruzado. Tiros pra lá, tiros pra cá até que os bandidos se renderam e eu pude levantar da calçada e continuar meu caminho.

Finalmente chego na escola. Minha filha corre para me abraçar e beijar. Não vou contar pra ela tudo que aconteceu. Ao chegar em casa o tempo começa a fechar, as nuvens escuras começam a tomar conta do céu e a chuva é iminente. Gosto de chuva, gosto muito. Mas com a chuva vêm as poças d’água e formam-se os criadouros de mosquitos.

Aqui em São Paulo há muitos casos de dengue. Será que os vizinhos estão tomando os devidos cuidados? Dengue pode matar. E se eu pegar dengue? Dengue hemorrágica?

Por mais que tentasse me esquivar parecia que a morte e sua enorme foice estava a me perseguir. Cheguei na vila e peguei os panfletos caídos no chão. Coloquei-os novamente nos medidores de energia e deixei que cada um tomasse sua decisão sobre a compra do jazigo sem minha arbitrária interferência.

Pensei que talvez não seja de todo descartável a idéia de comprar um jazigo.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 08/12/2008
Reeditado em 08/12/2008
Código do texto: T1324850
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