LAMENTAÇÕES PARA UMA TRISTE TARDE DE OUTONO

E há aqueles dias em que nos sentimos prisioneiros de alguma oculta tristeza. Não é tristeza de vida ou de espírito. É algo abstrato sem o ser totalmente. São nesses dias que acorda em nossa alma o imaginário monstro do desânimo. Há o risco de nos acomodarmos nas frias cabanas do medo e nos sentirmos abrigados. Contra isso há apenas uma humilde luta, de servo remunerado e sem muita pretensão de vitória.

Há aqueles terríveis dias em que pouco importa a estação. É sempre um triste outono soprando melancolias na nossa sempre tarde. Há poucas coisas mais tristes do que uma tarde de outono. Somos apenas regadores sem água à procura de algum desocupado jardim. Queria ter o poder de contemplar de cima, do alto de alguma segura janela. Observar as pessoas sem merecer delas qualquer suspeita ou dúvida, sequer atenção. Olhar as pessoas como objetos de estudo, seres estatísticos, sem ver nelas burburinhos de almas. E que elas estivessem, todas, num imaginário uniforme e marchando em oníricos cordões, todas obedientes à minha necessidade de estudá-las. Não pretendo chegar a qualquer conclusão a não ser a conclusão de alimentar meus olhos, enquanto minha alma se distrai pequena e acompanhada por uma mão trazida pela infância.

Não me sinto totalmente vazio, há ainda uma insinuação de encantamento querendo romper a minha firme parede. Não sei por que diabos sou um homem com necessidades de paredes e muros. Quando pequeno sonhava em ser arquiteto. Nunca fiquei grande e nunca fiquei arquiteto. Mas desconfio que aprendi a projetar muros de longo alcance e paredes sólidas. Talvez seja bom nisso. O pior é que não vejo necessidade de demolição. Coisa triste é sentir a necessidade de irmão e não ter a capa para abrigá-lo como tal, e contentar apenas com a sua sombra rondando a minha catedral cheia de pedras desanimadas.

Queria estar agora me sentindo um grande homem, um ser humano elevado, que estende a sua mão e converte o amigo triste num cantante irmão. Queria ter o dom de olhar agora nos olhos do fraco e depositar na sua alma uma cota de esperança, mesmo sendo apenas uma remota promessa de verde em feixes secos. Nem isso eu consigo, o que torna o meu estado desanimador, reles e condenável. Há aqueles dias em que invejamos os homicidas, os tiranos, os tímidos carregadores de almas. Deixamos lentamente morrer em nosso bojo a possível semente que nos faria pisar num teatro de acácias.

Mesmo não me considerando um alegre receptador dos severos raios de sol, sou obrigado a concordar que a acuada fera em mim ainda permite que cantem os pássaros e que sopre o vento dentro desta casca de homem antigo. Ainda me permito por rápidos arroubos de inspiração sonhar baixinho com suaves noites de menino em férias. Cada golfada de ar parece uma obrigatória bofetada na minha insistente cara de esmolante da felicidade. Mas peço apenas com a fé do chapéu. Em mim, nestes momentos, tudo é despedida e palpitação de coisa perdida.

Mas é preciso crer que esta tristeza, essa aflição que afoga a nossa possibilidade de mão, esse gesto seco, quase expiação de condenado, irão passar sem deixar viva nem a memória que um dia os concebeu. Haverá, eu sei, uma mesma triste tarde de outono em que olharei pela minha humilde janela, e dela avistarei não uma, mas dezenas de mãos me acenando boas novas. Tomarei meu gole calculado de alegria e ensaiarei um tímido sorriso.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 08/12/2008
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