PRENÚNCIO DE UMA CALVÍCIE INDESEJADA

Possivelmente esta será uma das minhas últimas crônicas da minha fase cabeluda. A partir de talvez cinco, dez, ou supremo milagre, 15 textos, já serei integrante do grupo dos escritores calvos. Acontece que as forças da natureza querem tornar-me um homem careca. Isso não seria um grave problema. Suponho haver vida pós-cabelo. O que tira o sono deste abrupto ser que relata é que toda a vida me preparei para ser um homem com cabelos. Nos meus sonhos de menino, eu me imaginava um potente senhor de negócios e grisalho. Um burocrata gordo e grisalho. Um escritor míope e grisalho. Em todas as possibilidades o que havia de comum era uma existência capilar. A vantagem de ser careca é que com essa condição a pessoa consegue com mais facilidade o cargo de conselheiro de um clube de futebol ou gerente de banco. Confesso que nunca desejei essas atribuições.

Segundo apurei, 40 milhões de brasileiros sofrem de calvície. É um número considerável. Significa que há mais calvos no Brasil do que flamenguistas. Mais calvos do que protestantes da Igreja Universal. Entrarei para uma classe com alta representatividade no Congresso Nacional. Há alguns anos li uma matéria em que um nobre senador havia proibido os câmeras da TV Senado de o filmarem de cima para baixo. Segundo ele, este ângulo lhe conferia um ar de homem careca. Ao passo, que a tomada por baixo valorizaria outros atributos do congressista. Conclusão: para aquele senador, ser careca é apenas um ponto de vista. Desejo profundamente ter essa mesma tática para escapulir deste martírio que se anuncia.

Pior do que estar prestes a tornar-me um indivíduo calvo é já carregar a fama de ser um e ter que fugir sempre das rodinhas de piadas quando o assunto é qualquer coisa ligada ao couro cabeludo. Estou perdendo os cabelos mas a dignidade ainda está comigo, grudada como uma última vacina, uma imaginária semente capilar.

Naturalmente, eu não teria grandes dificuldades em ser um homem calvo e, até careca . Uma coisa que passei a observar neste meu calvário é que mesmo sem estatísticas oficiais a respeito há mais calvos e carecas entre os ricos da nação do que entre os pobres. Normalmente, cabelos e investimentos financeiros não são uma combinação muito corrente no mercado. Pior para mim, que como não tenho vocação para ser rico, terei que me marginalizar entre os pobres, porém encabelados cidadãos. Serei uma espécie de agente da burguesia infiltrado entre os homens de cobertura capilar. Possivelmente deixarei de ser convidado para alguma reunião por este ultraje da natureza.

O diabo é que um implante fica dispendioso. Passarei a colecionar catálogos de clínicas especializadas nesse milagre ou investirei meus rendimentos em altas dosagens de finasterida. No único deslize na adolescência sobre a remota probabilidade de tornar-me careca, sempre deixei claro a minha preferência por aquele tipo de calvície que começa no meio da cabeça e vai devastando os pêlos como um incêndio. Com essa tática, eu ganharia tempo para preparar-me psicologicamente para essa nova etapa da minha vida. A decisão genética de ficar sem cabelos é mais grave do que a escolha do time de futebol, da religião ou da esposa.

Os egípcios antigos lutaram de todas as formas contra esse mal. Eles acreditavam que a mistura de pata de cachorro com casco de asno resolveria o problema. Não resolveu. Insistentes, eles tentaram uma fórmula com gordura de leão, hipopótamo, crocodilo, ganso, cobra e cabrito montês. Acredito que eles perdiam mais os cabelos bolando novas fórmulas do que propriamente pelo curso natural e cruel da vida. De qualquer forma, eles merecem todo o meu apreço pela batalha. Quanto a mim, encarno o vilão de meu próprio destino, não me oferecendo para nenhuma guerra para reverter esse mal que está com os famintos dentes e uma serra elétrica na mão para lançar fora o meu escalpo.

Acontece que não satisfeita com a minha já calamitosa condição, uma médica paulista concluiu que nós, homens calvos, temos 50% de chances a mais de desenvolver câncer de próstata. Não convém aqui explicar os motivos que nos tornam mais atraentes para o câncer de próstata. Mas de uma coisa eu desconfio: há um complô contra a nossa classe. Houvesse em mim crença numa vida anterior, concluiria que os carecas de hoje foram os vilões de ontem. A calvície é o meu inferno particular, a minha forma de não corresponder à evolução espiritual dos invidíduos, a minha maneira de ser humilde e pequeno.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 10/12/2008
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