Desabafo
 
Nunca gostei do Natal. Acho que nunca é uma palavra que nunca deveria ser dita. Ou escrita. Força de expressão. Deve ter havido algum Natal que eu tenha gostado. Algumas lembranças são boas. Ou pelo menos são lembranças e não machucam. Houve uma vez em que fui assistir a Missa do Galo. No tempo em que era realmente do Galo e a gente quase que tinha que colocar um palito de fósforo para manter os olhos abertos. Eu era criança, é claro. Hoje a Missa do Galo é bem mais cedo e eu nem vou mais a Missa. Pois eu fui naquele distante Natal do qual me lembro agora. E choveu. Chove sempre no Natal e eu fui a Igrejinha lá no alto da colina. Quando eu fui não chovia. Quando voltei, um temporal. Desci o morro escorregando na lama, sem sombrinha, sem casaco, de sandálias novas. Em casa, Papai Noel já tinha passado e lá estava em meus sapatos: uma sombrinha, uma capa de chuva Double Face. Azul e rosa. Fiquei encantada. Até o dia seguinte quando vi a capa da Selma. Linda. Maravilhosa. Amarela e preta. Acho que foi a primeira vez que senti inveja na vida. Não posso realmente dizer que meus natais foram ruins. Quando criança Papai Noel nunca falhou e éramos todos vivos e estávamos juntos. Adulta, procuro me divertir. Tiro fotos. Visto roupa de festa. Compro presentes. Recebo visitas. Bebo vinho e como comidas especiais. Coloco música ambiente. Mesmo assim, continuo não gostando do Natal. Não gosto de datas comemorativas. Natal, dia dos Pais, dia das Mães. O mundo moderno não foi feito para essas comemorações. É nessas datas que a solidão é mais dura. A tristeza. Natal deveria ser a Festa da Família. Mas as famílias estão despedaçadas. Pais e filhos estão separados. Irmãos não ficam mais juntos, por dores e mágoas. Ou puro descaso. Distâncias não são ultrapassadas. Por escolha ou impossibilidades.  Convenções afastam pessoas que se amam e unem pessoas que se detestam. Alguns nunca mais voltarão, perdidos na vida ou perdidos na morte.  Acho a Noite de Natal muito triste. Há sempre alguém esperado que não chega. Há sempre alguém que vem e que preferíamos estivesse longe. Mais do que no Carnaval é no Natal que coloco minha máscara. No carnaval eu sempre estou feliz e posso ser eu mesma. No Natal eu sempre estou triste e uso a máscara da alegria. Não, não é tanto a minha tristeza que incomoda. É a tristeza do outro. Daquele que quer estar junto e não pode. Daquele que quer vir e não consegue. Daquele que é esperado e não chega. Do que passa a noite sozinho porque não tem com quem passar. A alegria barulhenta dos que estão felizes parece falsa. Não há motivo para alegria se todos os que se amam ou deveriam se amar não estão juntos. Não há motivo para alegria se a fome ainda é a Ceia com que muitos comemoram o Nascimento do Menino. Não há motivo, se muitos sapatos amanhecem sem presente. Não há motivo se ainda existem poucos homens de boa vontade. Mas é Natal. É preciso vencer a dor, vencer a solidão, vencer a angústia. É preciso tentar fazer a vida um pouco melhor e guardar as mágoas no canto mais oculto do coração. Por isso pretendo deixar apenas o tempo chorar e brindar a Renovação da Vida. Registro meu desabafo e convido a todos para buscar a alegria. Que é um ímã para se conseguir momentos felizes. E pacíficos.