"Capeta Elevada à 10a. Potência" = Crônica do, felizmente, não cotidiano=

A filha adotiva de uma amiga nossa, uma garota de seis anos, é uma legítima capeta. Não uma capetinha, designação até carinhosa dada às crianças mais ou menos levadas, aprontadoras, cansativas. Ela é uma capeta mesmo. Do tipo folgada, cansativa, hiperativa, sem limites, sem educação e irritante. Uma capeta que dá duas alegrias: uma quando não vem e outra quando se vai.

A menina não fica quieta ou calada nem por um minuto inteiro. Pula no pescoço da gente, abraça sem motivo quando resolve, fala sem parar, pula, canta, dança, exibe-se, puxa a cara das pessoas para ouvi-la, interrompe conversa de adultos chamando com insistência, finge que não ouve ordens ou broncas, faz tudo que lhe pedem para não fazer ou que mandam não fazer, fala de propósito quando a gente quer ouvir alguma coisa na tevê, abre a geladeira alheia e se serve sem pedir licença, provoca os cachorros até que fujam dela, ou chora de repente, bem alto, porque um deles a olhou feio, e vai enchendo o saco até o último minuto de permanência na casa da gente.

Às vezes até consigo ser meio carinhoso com ela:

- Menina, você é uma rainha. Rainha das pentelhas.

Fora de brincadeira, a menina é um pé no saco de qualquer um. Sem qualquer exagero ou má vontade para com ela. Tenho pena da mãe adotiva daquela coisinha frenética. Fico imaginando o quanto essa menina não irá aprontar quando maior, quando a mãe adotiva, já um tanto quanto idosa, estiver com seus mais de setenta anos e ela com seus dezessete, dezoito aninhos, com todo o vigor da juventude e a liberdade de quem não conhece limites ou normas básicas de educação. Se desse tamanho já é mandona...

Hoje essa porqueira me fez rir com vontade quando eu já estava chegando ao auge da irritação com ela. Entrou em meu escritório mais de dez vezes, fechou e abriu as portas até que eu lhe desse uma dura mais violenta, pendurou-se em meu pescoço enquanto eu estava mais do que ocupado, entrou e saiu, falou e cantou, desenhou e me mostrou vinte vezes, e eu já estava a ponto de pedir energicamente à nossa amiga que tomasse uma providência, quando ela deu uma sumida e ficou quieta na sala por algum tempo. Torci para que ela tivesse dormido ou desmaiado de cansaço na sala e me desse sossego por alguns minutos pelo menos.

De repente ela voltou, abriu a porta do escritório, encarou-me e disse séria:

- Tio, desculpe-me interrompê-lo, mas...

Não completou a frase. Minha gargalhada foi que a interrompeu:

- O que é isso, menina? Está tendo um ataque ligeiro de educação, de bons modos? Tem certeza de que está bem? Vai ver é alguma febre alta...

Atraídas por minha risada alta, minha mulher e a mãe adotiva apareceram no escritório. Quando contei o que houve as duas também riram com gosto e nossa amiga explicou:

- Isso é pura esperteza da parte dela. Quando ela percebe que já passou dos limites, que já torrou o saco de alguém perigosamente, faz uma dessas pra tentar desarmar.

- Pode até ser isso, mas que foi engraçado foi. Quando ela me pediu desculpas por interromper parecia até outra pessoa. Parecia até uma menina bem educada...

Desta vez o grosso fui eu, falando assim com a “educadora” da ferinha, mas cá pra nós, não havia mesmo outro jeito. A menina é um bode suado em sala pequena. E de janela fechada...

Está achando que sou um velho ranzinza? Mande-me seu endereço e um convite pra garota visitar sua casa. Duvido que não a devolva rapidinho. E com alívio.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/12/2008
Código do texto: T1339100
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