A SAÚDE NAS CLÍNICAS DAS ILUSÕES

A SAÚDE NAS CLINICAS DAS ILUSÕES

De posse do pedido de exames, caminhei até a Clinica onde havia marcado uma Ecocardiografia com Doppler, há mais de oito dias, embora constasse o pedido do médico, como de urgência. Apertei o botão que aciona o elevador e em menos de um minuto, o velho ascensor, abre sua porta pantográfica; entro e marco o décimo segundo andar, lentamente ele sobe e alcança o piso solicitado; abre vagarosamente, eu me apresso em sair e dou de cara com uma porta de vidro, empurro-a e vislumbro uma sala ampla e sombria, mais a frente, um balcão, duas atendentes e algumas pessoas sentadas em cadeiras distribuídas ao longo da sala de recepção, por certo aguardando atendimento. Identifico-me, pois já havia marcado por telefone, para as dez horas, entrego para a atendente minha carteira do plano de saúde e minha identidade, sempre nos pedem o documento de identidade, não sei bem porque, acho que bastaríamos dizer que éramos nós mesmos, porem acreditam mais num pedaço de papel plastificado do que na palavra das pessoas. Na época dos nossos pais, bastavam suas palavras, mas os tempos passam e as coisas mudam.

A recepcionista apanha os documentos, verifica no computador, por certo viu que eu realmente havia marcado a consulta e sem esboçar um sorriso, pediu para que eu sentasse e aguardasse o chamado. Apanhei meu guarda-chuva, pois, o dia estava muito chuvoso, me dirigi a um canto do salão, onde havia duas cadeiras, sentei, pus meu guarda-chuva de lado e olhei o ambiente e as pessoas que ali estavam.

Na parede a minha frente, havia um quadro em uma bela moldura, porem a imagem era pouco sugestiva para o local e o propósito desse. Era um busto de mulher, com fartos seios à mostra, um nu bonito como quase todos os nus dos grandes mestres mas, não sei por que, ali eu não achei condizente. Havia outros quadros sem muita expressão. Mais a frente via-se uma televisão mínima, ligada, mas sem som; uma mesinha com café, biscoitos, açúcar e adoçantes, para àqueles que iam aos exames em jejum.

Talvez por ansiedade, alguns pacientes faziam a festa, comiam os biscoitos e tomavam café sem parar, quem sabe não seria para amenizar a angústia de estar num ambiente ambíguo e deprimente.

Fiquei a contemplar as pessoas ali sentadas: havia um senhor alto, cabelos brancos, com uma bermuda branca, uma camiseta tipo ”mamãe sou forte”, tênis branco, meias brancas, sonhando, penso eu, com sua imagem atlética, de uns cinqüenta anos atrás. Havia também uma senhora que durante os meus primeiros trinta minutos de esperas, folheou umas vinte revistas e não parava sentada; havia outra que balançava as pernas sem parar.

Encontravam-se no recinto umas oito pessoas, cada uma com seu sonho e a vontade de viver, por isso aguardava impacientes a hora de resgatar a tão desejada saúde; até porque, já haviam pagado antecipadamente por ela.

O senhor de bermuda branca juntou os calcanhares na cadeira, abraçou os joelhos e desesperou-se a fazer ginástica: puxava e soltava as pernas, não, eu não estava errado aquele jovem da melhor idade era atleta, não podia ser diferente. Ele quebrou a monotonia do ambiente, pois todos lhe direcionaram uma olhada, menos aquela senhora que folheava revistas.

De repente entrou um casal e pude observar que a convivência, por muito tempo deixa as pessoas, mesmo de famílias diferentes, muito parecidas, foi interessante ver os dois entrarem cabisbaixos, passos lerdos, as mesmas marcas faciais, parecendo carregar o mundo sobre suas costas. O senhor senta, puxa um lenço do bolso e dar um forte espirro apertando o nariz, dobra a peça e recoloca no bolso. Mais uma vez o mórbido silêncio fora quebrado.

Um médico porte alto, semblante fechado, cruzou o salão nesse momento, era uma figura inusitada, me pareceu está vendo o filme da família Addams, ele era o próprio, estou falando do Gómez, esposo da Mortícia. Vi que todos o olharam, apesar de estarem quase sempre de cabeças baixas.

Uma voz se faz ouvir. Era a atendente que chamava o senhor atleta, para apanhar o resultado do seu exame na “prova de esforço”, ele se ergueu e caminhou em direção ao balcão. Levei um susto, pois dava para perceber o encontro do fêmur com a tíbia, tão sem músculo encontrava-se o suposto atleta, era pura pele e osso, mas por dentro demonstrava a imensa felicidade e a inabalável confiança, que o movia em busca da solução para o mal que o afligia. Ao receber seu diagnóstico, voltou-se com um sorriso incontestável de felicidade, sentou em sua cadeira, sacou um óculo de no mínimo doze graus, sugeridos por suas espessas lentes, e como quem sabe tudo da medicina, começou a folhear a maçaroca de papel que recebera. Satisfeito com o que vira, mas por certo sem compreender nada, assim como todos nós pobres humanos, levantou-se e caminhou para a saída. Nesse ínterim, olho para o relógio que marca onze horas e quarenta minutos, e nada de me chamarem para o exame de Ecocardiografia.

Nesse sombrio ambiente de doenças múltiplas, de pessoas com rostos sugestivos, pálidos e esperançosos, na busca pelo melhor lugar para compra de sua saúde, da melhor saúde, sempre tão esperada e desejada. Observa-se que por traz dessa esperança, há duvidas, que sempre vêm junto ao pacote oferecido: consultas, exames e remédios. São recursos que por vezes curam o corpo físico, sabemos, pois, que entre os que ali estavam muitos sofrem de um mal maior, que o desconforto do corpo físico: o desconforto do corpo espiritual.

Responder ao tratamento alopático, às vezes não suscita o êxito, pois a alma requer outros cuidados, que o médico sem conhecimento do corpo espiritual, não atingirá.

A uma clinica não basta apenas ser pintada de azul, utilizando-se da cromoterapia, como contribuição no tratamento daqueles que buscam amenizar as suas dores, seus problemas físicos e suas neuroses. Faz-se necessário muito mais que isso. Precisa-se de pessoas capacitadas em entender pessoas, criatividade, vida, cor, um astral que não venha lembrar as doenças, pois estas já estão incrustadas no individuo humano. Que os profissionais de saúde pensem e pensem rápido em soluções para as decorações de suas clinicas, consultórios, hospitais e toda espécie de organização que cuide das doenças, para que estas, verdadeiramente se tornem organizações de saúdes e não as que ai estão, verdadeiros antros bizarros e excitantes das patologias, que todos nós já as conduzimos no corpo e na alma.

Que os pacientes já tão massacrados nesse mundo sem limites, não precisem ficar quatro horas e vinte minutos, como eu fiquei, para realização de um simples exame.

Rio, 18 de dezembro de 2008

Feitosa dos Santos