Aprendizagem: aprender para ensinar

Quando cheguei, alguns professores já ocupavam o lugar dos alunos: fariam prova seletiva para trabalharem na rede estadual no ano de 2009. Medi o meio da sala e sentei-me à primeira cadeira da fileira central como sempre faço em condição de aluno. Cada um consigo à espera do sinal para iniciar-se o exame. Estranhei o silêncio e os entreolhares sorrateiros entre uns e outros formadores dos condutores do Brasil do futuro.

Um mapa embrulhado, enrolado, atado por uma fita preta, repousava acima da lousa, me pregava o olhar. Ocorreu-me quantas vezes fora descerrada e exposta ao alunato àquela carta geográfica pensa e empoeirada, já que tanto parecia coisa em desuso, e estaria ali por mero acaso. Indiciava, por si só, o não-zelo que a sociedade tem pela formação das novas gerações. Estas não recebem nenhum vintém a mais do que o quase nada que aquela recebera. Descaso com descaso se paga? Ou será que este papo de educação que deseduca é chavão de gente neurótica e revoltada como eu? Mas eu não sou neurótico, nem revoltado; e olha que não tenho o hábito de ser complacente comigo.

A lousa verdemente desbotada e repleta de pequenas crateras e nódoas crônicas exibia avisos sobre a prova num texto grosseiro, mal pontuado e irresponsavelmente vanguardista – vanguardista por abolir o trema da palavra seqüência. Não sei se o Estado tem direito de expressar-se de forma tão desleixada num exame seletivo de professores de língua portuguesa e inglesa. Se escreve tão precariamente na língua materna, imagine em língua estrangeira! Seriam estes motivos para que o mundo sempre reserve ao Brasil o lugar mais desprezível quando se fala em evolução humana?

As paredes esburacadas, envelhecidas e toscamente remendadas. Nos rodapés marcas de sapatos e manchas escuras denunciavam o nível dos freqüentadores daquele recinto de aspecto lânguido... Uma sala de aula que em nada lembrava as salas bem cuidadas onde estudei sob a Ditadura Militar. Estes, certamente, acreditavam que poderiam emendar o país.

Os mandantes atuais, responsáveis por tais mazelas, certamente, não esperavam nada de bom ou valioso dos freqüentadores deste recinto imundo; como se tivessem retirado os grilhões das canelas da gentalha, mas, colocado-os em suas almas! Uma pequena amostra do senzalão adrede preparado à domesticação da soba, os atuais capitães-do-mato.

A porta era de um azul triste e desbotado, rota; a fechadura violada, estourada, enferrujada e reclamava o lixão. Ah, o mesmo azul triste e desbotado, como a se desprender da madeira apodrecida, dava uma volta inteira na sala, no rodapé, feito uma faixa desenhada por um abraço esquálido. As vidraças sujas eram de um opaco que causava tontura, mal-estar; mas deixavam ver algumas árvores maltratadas e um pátio estreito coberto de folhas secas e lixo.

A mesa do professor representava todo o desprestígio que o profissional da educação angariou nos últimos anos: nenhum vestígio de que seria utilizada por alguém digno de respeito ou dignidade! Fui mergulhado, de subido, num mar de comiseração. As carteiras dos alunos - cada uma de uma cor, cada um de um formato - desmanchava-me em pedaços de todos os tamanhos. A parte de baixo desta, geralmente, utilizada para guardar material, continha um dedo de poeira. Nem utilizei tal compartimento para guardar meu material; este, ficou no chão mesmo. Citando que o piso envelhecido parecia sujo tanto quanto; facilmente ter-se-ia nojo de pisá-lo.Mas tinha uma coisa boa na sala: a iluminação.

O sinal ameaçava disparar-se para indicar a hora do inicio da prova. Dei então uma panorâmica inteira na sala lotada de professoras. Entristeceu-me a conclusão: colegas parcamente vestidos, caras de jejum e apreensão, fome de saber, medo de provarem que são somente produtos do meio.

Bateu a sineta e a professora responsável pela lisura na aplicação da prova – a cara de pobre denunciava que não tivera a sorte de casar-se com homem rico – distribuiu a palavra do Estado mediocremente codificada. O Marquês de Pombal só faltava morrer de indignação a cada página. Há duzentos e cinqüenta anos o Brasil insiste em não aprender a língua portuguesa! E o mais estarrecedor: todos os envolvidos na educação querem muito bons resultados. Mas não investem, nem se esforçam para isto. Esperam um milage!

Deu-me vontade de cagar. Vou ao banheiro. Licença.