"Que Sargento Bonitinho..." =Reminiscências com humor=

No meu tempo de Exército, há apenas quarenta e dois anos atrás, uma revista publicou as primeiras fotos coloridas do feto ainda no útero e fez uma belíssima reportagem sobre a maternidade. Uma matéria muito elogiada pelos leitores e pela mídia da época.

Na semana seguinte a mesma revista fez uma reportagem sobre os travestis e abaixo de uma das fotos, na qual apareciam vários travecos em volta de um carrinho de bebê, colocou a legenda: “Rogéria, Fulana, Sicrana, etc. em volta do objetivo comum”.

Sem pensar duas vezes, pedi ao comandante de nosso regimento que me deixasse usar a máquina de escrever e "mandei ver" uma carta agressiva para a tal revista. Argumentei que era inadmissível que a mesma revista, que tão maravilhosamente dissertara sobre a maternidade, conspurcar tão belo momento com uma matéria absolutamente besta e com uma legenda tão imbecil no número imediatamente posterior.

A carta foi publicada pela revista, na íntegra, e eu fui chamado ao alto comando do quartel:

- Foi você quem escreveu esta carta, soldado?

- Foi sim senhor, coronel.

- Alguém o ajudou?

- O capitão que me emprestou a máquina, senhor. Só ele. A autoria é só minha, senhor. A responsabilidade é toda minha, senhor.

Pensei que seria preso por ter escrito e enviado a carta sem autorização. Mas que nada, fui nomeado responsável pelo jornalzinho do quartel a partir daquele mesmo dia.

Senti-me entusiasmado, vaidoso, cheio de vontade de escrever muito, sem poder imaginar, nem de longe, que granjearia muitos inimigos em pouco tempo. Pessoal mais sem senso de humor aquela turma fardada, sô...

Felizmente o capitão era meu amigo e a ele passei a consultar antes de publicar certas coisas. Sábia atitude de minha parte...

Um dia escrevi uma “homenagem” ao mais absolutamente chato, rigoroso e fresquinho dos sargentos e mostrei ao capitão. Felizmente apenas ao meu amigo capitão, que comigo trocava livros e idéias.

- Gomes, tá tão na cara quem é o sargento que se você publicar isso vai acabar preso. Melhor rasgar, jogar fora e esquecer.

Não rasguei nem joguei fora, mas também não publiquei. Quem tem, tem medo. Ainda mais quando resguardado por uma humilde farda de “reco”, a mais reles categoria militar.

Por um acaso achei o antigo escrito em uma caixa da qual já havia até esquecido a existência e a publico agora, quatro décadas e pouco depois.

Quem tiver servido o Exército no 12º. Regimento de Infantaria, no Prado, em Belo Horizonte, no ano de 1966, talvez até se lembre do “sargentinho” braaavooo feito uma oncinha:

“Que sargento bonitinho

Anda sempre alinhado

Corta curto o cabelinho

Tem jeitinho engraçado

Engraxa tanto o coturno

Que o troço até brilha

Se o período é noturno

Vai deixando sua trilha

A fardinha engomada

Tem botãozinho brilhante

Que fardinha tão cuidada

Que sargento elegante...

Se grita “direita, vooolver”

Todo mundo obedece

Se alguém se esquecer

O sarjinha enlouquece

Que sargento bonitinho

Anda sempre alinhado

Corta curto o cabelinho

Tem um jeito des..viado

Um colega musicou a letra, a turma ensaiou às escondidas, e nossa vingança contra o chato era, covardemente, assobiá-la nos momentos em que era possível e que ele, de preferência, estivesse por perto.

Pena que minha temporada de diretor de jornaleco durou pouco. Estávamos em plena ditadura militar e eu era meio folgado para o gosto “deles”...

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 19/12/2008
Código do texto: T1344091
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