MUITO MAIS GRAVE

O Gonçalves chegou aos cinqüenta e lembra que Roberto Carlos cantava Lady Laura, “aproveite seu tempo, você ainda é um menino”. Porém, alguns indicativos insistem em aprontar para quem chega aos cinqüenta.

Com o passar dos anos, é mais normal engordar que emagrecer. Daí que aparecem ou se acentuam alguns sintomas, entre eles, o ronco. Eu já vi mulher justificando coisas injustificáveis em seus parceiros, mas nenhuma que dissesse:

- Ele ronca tão bonitinho!

Começou roncando sereno lá pelos quarenta, foi para o quarto de visitas aos quarenta e cinco e chegou à quinta década como um problema coletivo. Na casa ou apartamento onde dormisse, ninguém dormia. Parava de respirar o homem e quando puxava o ar, tempos depois, parecia puxar o mundo. Parou no doutor, apnéia, em grau severo.

Se alguém pára de respirar durante o sono, é bom que procure logo o médico. O Gonçalves não procurou no devido tempo e saiu do consultório ligado, na tomada. O aparelho que resolve o problema é mecânico, um ventilador que joga ar, via nariz, e impede a obstrução da passagem de ar pela garganta.

Dormir com ares de quem está na UTI todas as noites abalou o paciente. Jogar futebol no “veteranos”, ser o tiozinho mais querido do lugar, como dizem as amigas da filha, tudo bem, porém, dormir ligado na tomada, não há argumento que o convença de que ainda é “aquele menino”.

Foi fazer exame de avaliação para conferir se o aparelho está dando o resultado esperado e se a pressão do ar está correta, uma noite dormindo no hospital. Foi sozinho que é exame e tem que dormir sem acompanhante.

A profissional que realizava os procedimentos de fixação de uma parafernália de sensores utilizados para a realização do exame de polissonografia, nem tão bela, mas simpática e jeitosa, até que tornava o ambiente menos agressivo. Ao observar a ficha do paciente comentou: “pressão de ar onze”.

Aquele “onze” soou algo espantado aos ouvidos do Gonçalves. A jovem notou e antes que ele perguntasse acrescentou:

- Muitos que vêm aqui utilizam pressão de ar quatro, cinco, seis, mas há casos muito mais graves que o seu.

- E o que é muito mais grave que o meu?

A jovem, sem parecer dar muita importância ao que disse, respondeu:

- Doze!