"Um Caçulinha Especial" =Crônica de Reminiscências=

Dona Emerenciana* foi uma vizinha inesquecível. Tanto é que não a vejo há uns quarenta e tantos anos e até hoje me lembro dela. Não que fosse bonita, simpática, agradável, social ou suportável. Até mesmo muito antes pelo contrário. Era briguenta, barulhenta, mal educada, feia, agressiva, tinha um marido muito mal casado e creio que não se dava bem nem com ela mesma.

O que a tornou inesquecível para mim e para minha família era seu relacionamento com o filho caçula. Por mais que batesse, xingasse, proferisse pragas aos dois filhos maiores, a plenos pulmões e no meio da rua, com o menorzinho ela jamais perdia a paciência. Por mais bêbada que estivesse, era para o caçula todo o carinho dela. Um caçula que ela apresentava com ar de felicidade e sempre com a mesma frase:

- Este é o meu caçulinha-retardado-mental.

Caso ela se esquecesse de apresentá-lo, o caçulinha o fazia:

- Ôi, eu sou o caçulinha-retardado-mental dela.

Percebia-se logo que ela não o fazia por mal. Era apenas simplicidade, ignorância mesmo. O garoto era simpático, não apresentava anormalidade alguma à primeira vista e poderia muito bem passar por uma criança normal se ela apenas o apresentasse como seu filho mais novo.

Creio que hoje em dia ela diria:

- Este é meu filho caçula-retardado-mental-deficiente-especial. – e seu sorriso seria maior, mais proporcional ao título encompridado.

Nunca mais vi dona Emerenciana nestas últimas décadas, mas todas as vezes que ouço falar em deficiência mental lembro-me dela. Inesquecível mesmo.

* O nome foi trocado em respeito à família dela.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 24/12/2008
Código do texto: T1350767
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