Feliz ano novo

Por que então celebrar ano novo?

Quais são as motivações e aspirações que você tem?

Será mesmo um novo ano ou o ano que se inicia é a repetição imediata do ano que a tão pouco acabou de terminar?

Para celebrar este novo ano você precisou comprar roupa nova porque a sua vaidade pessoal não te permitiu atravessar o ano novo de roupa velha e olhe que a compra dessa nova roupa nem tinha entrado no seu orçamento, nem no décimo comprometido já antes mesmo de ter sido recebido.

Mas só a roupa não bastava, não. O sapato velho não combinava com a roupa nova, tinha sido do Natal passado, do batizado do sobrinho, do casamento da colega do trabalho, da missa de sétimo dia do amigo que havia morrido de acidente. Sapato visto demais, gasto. Tinha que comprar novos sapatos para combinar com a roupa nova e entrar o ano novo com tudo novo. Superstição. Ao invés de uma, agora de cara já tinha feito duas novas contas e nenhuma tinha entrado no primeiro orçamento do novo ano.

E nos braços, no pescoço? Vestia a roupa nova com o sapato novo e frente ao espelho percebia que algo ainda faltava. Não se sentia ainda produzida adequadamente para romper o ano velho e entrar radiante para o novo ano. Vai a vizinha e compra, compra anel, brincos, pulseiras, cinto. Compra, compra tudo que lhe é sugerido para entrar o ano toda enfeitada, além de dar um trato no cabelo com produto novo, mudar a cor, fazer as unhas, maquiagem, sentir-se uma outra pessoa, um novo ser.

A promessa de entrar o novo ano diferente, equilibrada, gastando menos, tudo isso tinha sido esquecido porque você merecia, não é verdade? Merecia aquilo tudo e muito mais. Filha de Deus, trabalha o ano inteiro mesmo para isso, para satisfazer as suas vontades e era fiado mesmo, tinha um prazo para pagar, não iria se preocupar agora, teria tempo para se planejar, o momento era apenas para satisfazer o ego.

Mas o que questionávamos mesmo é a questão do ano novo.

Feliz ano novo!!!

Feliz ano é o que mais se escuta neste período do ano.

Está nas portas das lojas, nos cartões que recebemos, nas propagandas, na televisão, na boca do povo.

Mas o que é mesmo que esse ano trás de novo para ser novo mesmo? Qual é a esperança que se renova para um ano que em breve vai começar?

Será que é a queima de fogos? Isso mesmo, será que é o dinheiro gasto pelo poder público, e olhe que dinheiro, com uma tonelada de fogos de artifício que enche seus olhos de alegria e de beleza e te faz encantado por segundos apenas que faz o ano ser novo?

Será que é a festa na praça pública com a banda do momento que arrasta milhões e milhões dos cofres públicos que torna o ano realmente novo?

Já sei, é o prazer de reunir a família, a troca de presente, a chegada dos parentes distantes, a viagem a praia, o porre tão esperado, o pedido de casamento depois de longos anos de espera...

Feliz ano novo, é o que te desejam com abraços, beijos e pancadinhas nas costas.

Feliz ano novo em meio a tanta tristeza e incerteza, ou sua vida é uma ilha e a vida dos outros para você não interessa, tanto faz como tanto fez? Se riem ou se choram, se são lembrados ou esquecidos?

Mas um ano novo e tantas coisas velhas ainda existindo.

E entra ano e sai ano e os problemas ainda continuam velhos e nem ficam no ano velho, todos eles vêm para o ano novo, já pensou nisso?

Feliz ano novo e o preconceito que separa as pessoas não nos tornam felizes, não nos permitem abraçar a todos, apenas quem já faz parte do nosso ciclo de amizade e tantas pessoas carentes de aconchego, do nosso aconchego.

Feliz ano novo e sinceramente nunca vejo o novo chegando.

Quem pode, ainda, tem a sorte de reunir alguns familiares, amigos, matar uma galinha, fazer uma farofa com vinagrete, colocar a mesa na calçada coberta com a melhor toalha, ligar o som potente do carro do amigo agiota convidado só para ostentar o que tem e contar vantagem e cada um convidado traz uma bebida quente para ser partilhada e no final todos já cheios de tanto álcool acabam se estranhando, brigando entre si e alguns tomando partido tentando acalmar os ânimos e o novo ano já começa estranho.

Bom seria se pudéssemos parar para pensar no significado da expressão ano novo.

Quantas esperanças depositamos no novo momento que vai nascer e quanta decepção colhemos ao longo de um novo ano que nada trás de novo.

Pura magia.

Sobe o aluguel, a mensalidade escolar, a passagem do ônibus. Altera-se a ansiedade e a motivação de permanecer vivo. A fila na escola para conseguir a vaga, a vaga no dentista para extrair o dente que perturbou toda a noite do ano novo. Estabiliza-se o salário mínimo no mínimo e ainda somos responsáveis pelos altos índices de inflação. Pagamos altas taxas tributárias e ainda somos devorados pelo leão.

Feliz ano novo e o conceito de feliz é tão distante de todo esse consumismo que me é apresentado. Desejos, vontades, necessidades de dias melhores, de vida melhor, de novas relações mais humanas, de políticas coletivas que visem o bem comum. Serão coisas utópicas?

Feliz ano novo, uma nova oportunidade de ser um ser humano melhor, mais confiante, mais senhor de si, e assim eu torno a perguntar, por que comemorar ano novo?

Pela necessidade que temos de acreditar. Acreditar num futuro melhor, acreditar que dias melhores viram pata todos nós. Celebrar um ano novo renovando as esperanças fincadas no ano que se passou.

Feliz ano novo e nem sei mesmo o que é felicidade, mas acredito, como todo mundo, num ano novo que me traga condição de acreditar que algo pode ser mudado, novo de verdade.