Uma lenda de Pedra Azul

Ontem estive com um amigo de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo. Faz dez anos que ele esteve lá; abandonou sua cidade natal mas sempre visita outras cidades do estado, como Pedra Azul. Curiosamente, o que mais existe no Brasil são Pedras Azuis. Lembro de uma localizada no Vale do Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais. Fica a 30 km em linha reta da cidade de Medina, à margem da BR-116. Em Medina o tempo não passou. Estive lá há 50 anos, vi uma foto recente dos arredores. Nada mudou.

Meu pai era caminhoneiro. Íamos para Pernambuco junto com um tio e um primo em segundo grau. O caminhão quebrou justo na altura de Medina. Meu pai sabia das coisas. Sabia qual peça estava com problema. Estávamos quase na Bahia, bem acima de Teófilo Otoni. Ele só iria encontrar a peça em Governador Valadares, uma boa distância naqueles tempos. Me deixou algum dinheiro e foi.

Moradores do lugar às vezes paravam para conversar e contavam histórias. Apontavam para Pedra Azul e falavam de um personagem da cidade que morrera e fora enterrado no cemitério da cidade. Me faltam detalhes. Essa foi uma história que não prosperou e caiu no esquecimento. Mas lembro que, segundo o relato das pessoas, no jazigo do cidadão, pelo mármore rachado saiam mechas de cabelo, em abundância, cada vez mais. Não adiantava concretar; rachava de novo e saía mais cabelo.

Nunca vi fantasmas. Já ouvi muitas histórias. E para quem iria passar a noite à beira da estrada, na mais completa escuridão, não havia tempero melhor. Quando alguém se mexia e o caminhão balançava eu me sobressaltava. Acendêramos uma fogueira próximo ao caminhão. Lá pelas tantas se ouviu um tropel de cavalos. E parou. Andou mais um pouco e parou. Meu tio, com um lenho à guisa de porrête às costas, falou: “ Pode passar, meu amigo. Estamos apenas tomando conta desse caminhão”.

Silêncio. Novo tropel e nova advertência. Nada. Até que os cavalos passaram à margem da estrada e nós os vimos na escuridão. Estavam sòzinhos, assustados com o fogo. Meu tio havia dado boa noite a cavalo.

Veio o dia. E passou rápido. A hora do almoço se aproximava. Conseguimos algumas panelas e talheres nas casas próximas e, por acaso, era dia de feira em Medina. Compramos carne de porco, farinha e mais alguns artigos. Meu tio cozinhou a carne na própria gordura. Eu nunca vou me esquecer desse almoço. Excelente mesmo, como diz minha filha mais nova.

Os índios, vocês sabem, não têm literatura. As histórias passam de pai para filho. Quem sabe, algum dia, eu irei à Pedra Azul, em Minas Gerais e talvez os netos daqueles personagens de quando eu estava na estrada saibam me reproduzir com detalhes os comos e os porquês dessa história tão cabeluda.